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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Estresse de Professores

“Em geral, as pessoas têm medo de confessar que não estão bem,  
porque isso pode significar confessar incompetência”
Eliana Moura, pesquisadora -Feevale
Uma pessoa que é referência no Brasil quando se aborda assuntos relativos a estresse é a psicóloga Ana Maria Rossi, a qual é presidente da ISMA, International Stress Management Association (uma associação internacional para estudos, pesquisa e desenvolvimento da prevenção do estresse) e que recentemente organizou em Porto Alegre um encontro internacional sobre o tema. Em outra ocasião, o Sindicato dos Professores do RS solicitou uma pesquisa a esta associação sobre qual o nível de estresse dos professores gaúchos, e, grosso modo, em um dos resultados, 45,8% da categoria considerou-se estressada. Mas o que entendemos por estresse? Academicamente há duas definições: uma de caráter salutar (eustresse) e outra prejudicial à saúde (distresse), a qual é a forma mais referida quando se aborda a questão. Então, culturalmente, quando se fala de estresse as pessoas o associam à sua forma negativa, na qual começam a surgir sintomas como dores de cabeça e nas costas, suor nas mãos, insônia, perda de foco e de libido, por exemplo.
Há uma exigência social demasiada com relação ao papel dos professores, cobranças que às vezes são injustas na medida em que se esperam providências ou procedimentos que não lhes caberiam, ao mesmo tempo em que por parte destes há uma queixa da falta de envolvimento dos pais na vida escolar de seus filhos. Neste interjogo de expectativas e frustrações, de sobrecargas de jornadas de trabalhos, às vezes divididos entre escolas da rede pública ou privada onde se tenta conciliar interesses pessoais, surge o adoecimento laboral e uma tensão constante que leva o estresse a se tornar crônico. “Nesse estágio, podem aparecer problemas emocionais, hipertensão, úlceras, gastrites, fadiga crônica, diabetes e alterações no sono, dentre outras manifestações”, explica Ana Maria Rossi.
O que muitos professores deveriam considerar, é que os problemas que se manifestam no corpo como falta de voz, dores de coluna, de cabeça, pressão arterial elevada dentre outros, são decorrentes da atividade laboral, mas que poderiam ser minimizados se mantidos o equilíbrio físico e mental. Em um levantamento realizado entre professores de nível universitário em Minas Gerais apurou-se que 48,6 % fazem uso de automedicação como forma de solucionar seus problemas, e ainda, que há aqueles – somados a estes ou não - que recorrem também ao consumo de bebidas alcoólicas como paliativo. Ambas as medidas são notoriamente abomináveis e não servem como solução. Medidas estruturais dos sistemas de ensino, melhores condições de trabalho, de remuneração e de credibilidade aos professores seriam basilares para a provocação de mudanças neste quadro. Dentre o que poderiam os professores fazer para minimizar os efeitos negativos do estresse, é o que sempre se recomenda a uma vida saudável e de melhor qualidade: a prática regular de atividades físicas não competitivas, alimentação adequada (no caso específico habituar-se a tomar muita água e evitar o cafezinho e os cigarros), buscar um sono reparador e um convívio social que inclua também pessoas de outras atividades profissionais.
São muitos os sentimentos de um professor adoecido, e alguns o levam a negar a si mesmo sua fragilização, passando a trabalhar de qualquer jeito. A negação, como mecanismo de defesa psíquica, acaba sendo extremamente prejudicial na medida em que os professores vão desconsiderando pequenos avisos de estresse, assim, somente com um “apagão” (burn out) é que deparam-se com as limitações da doença.
Porém hoje, quando as afecções de saúde mental (estresse, depressão, fobias sociais, p.ex.) que atingem milhares de pessoas em todo o mundo passam por um processo de maior reconhecimento, o momento é o de poder se abrir para a compreensão de que doença ocupacional não é um fracasso individual, mas resultado de um processo coletivo e que necessita de uma discussão na própria categoria e no corpo dissente.
Aos professores, cuja data oficial se deu neste mês de outubro, o meu reconhecimento, pois diariamente nos damos ao trato da leitura e da escrita sem sequer nos darmos conta de que se o fazemos, é porque um dia nos ensinaram.

César AR de Oliveira – psicólogo

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Lésbicas, nossos corpos nos pertencem!!!

“Contra todo o tipo de violência e de opressão! Em cada beijo uma revolução!­ – palavra de ordem na marcha

O mês de agosto marcou o cenário feminino do sul do Brasil com a realização na capital gaúcha da 1ª Jornada Lésbica Feminista do RS, mês intitulado pela Liga Brasileira de Lésbicas como o da visibilidade lésbica. No domingo passado, milhares de mulheres e de simpatizantes da causa participaram da III Marcha Lésbica de Porto Alegre (e a primeira do Rio Grande do Sul) que culminou com um show musical no Parque da Redenção em defesa da bandeira da diversidade sexual e pela autodeterminação das mulheres: “nossos corpos nos pertencem!” era o slogan.
A tônica que pautou a Jornada foi o preconceito sofrido por estas mulheres com a alegação de que mais de trinta direitos que são naturalmente assistidos a heterossexuais lhes são negados: direito a união estável, a adoção, a herança, a pensão, a juntar renda com a companheira para fins de locação ou aquisição de imóvel, a inseri-la como dependente de plano de saúde ou de abatimento para Imposto de Renda, dentre outros.
Falar/escrever sobre sexualidade é sempre algo delicado, toca-se na intimidade do ser humano que muitos preferem ignorar. Há mais de um século Freud preocupou-se também em estudá-la e sofreu severas críticas, principalmente por referir-se a existência de sexualidade nas crianças, algo inaceitável para a cultura da época.
Tema intrínseco à nossa condição, sexualidade, quando entendida como “anormal”, por vezes ocupa o lugar de pecado frente às questões religiosas, de crime com tipificação penal em algumas sociedades e de patologia, perversão ou de desvio comportamental ante algumas ciências.
Não é difícil entendermos o quanto sofrem as mulheres que tem um comportamento sexual diferente daquele que a cultura entende como aceito, basta que demos atenção a elas e as escutemos. Sobre homossexualidade feminina, o filme “Assunto de meninas” trata da história de uma adolescente que é levada após a morte de sua mãe (a pedido de sua madrasta) para um colégio interno formado apenas por garotas. Lá ela descobre que suas duas colegas de quarto são, na verdade, amantes, e precisa lidar com esta realidade. Já o filme “Meninos não choram” traz a história de uma menina em crise de identidade sexual que adota o comportamento masculino e veste-se de menino, não sem pagar caro por isto. Sofrimento psicológico, preconceitos e humilhações decorrentes fazem parte de seu cotidiano. E a vida imita a arte.
Um grave erro da maioria das pessoas é o de confundir sexualidade com genitália, nesta concepção, restam apenas dois pólos: ou se é macho ou fêmea. Acontece que em comportamento sexual há muito mais do que polaridade, e, por mais que encontremos pessoas felizes em suas diversas sexualidades, geralmente estas sentem-se incompletas  justamente por que o olhar social as restringem. Então, andar de mãos dadas na rua, trocar beijos e carícias (mesmo aquelas permitidas a casais heterossexuais) em locais públicos, nem pensar! E esta é a queixa de mulheres lésbicas. Podem ser alunas estudiosas, boas profissionais, amigas sinceras, cumpridoras de suas obrigações sociais, e, no entanto, sofrerem por terem de ocultar não só da sociedade mas até mesmo de seus familiares suas sexualidades. E infelizmente isto se faz necessário por uma questão de sobrevivência, certamente muitas perderiam seus empregos (obviamente que demitidas por outras alegações que não a da sexualidade) e encontrariam muito mais dificuldades.
Está em curso ainda para este ano em diversas partes do mundo, a Marcha Mundial das Mulheres, onde o grito feminino será intensificado contra todos os tipos de preconceitos e de injustiças por elas sofridos, o que é muito bem vindo. Homossexualidade não é nenhuma novidade ou produção pósmoderna, ela acompanha o ser humano (e comprovadamente até alguns animais de outras espécies) desde os primórdios. O que pode ser novo – e modificado - é nosso olhar de respeito e consideração a esta expressiva parcela da humanidade. Estima-se que de 10% a 15% da população mundial seja composta por homossexuais.

César AR de Oliveira – psicólogo

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A homossexualidade lhe incomoda?



“O jovem travesti que conheci no Bohêmio (casa de espetáculos em SP} olhava espantado um casal gay a se beijar. Inquiriu-me com repugnância: ‘Como é que pode? Dois homens... assim, se beijando?’ (Silva, 2007)


Os meios de comunicação têm sido generosos com a apresentação de filmes, novelas, notícias, documentários e livros onde a temática seja a de casais homossexuais. Recentemente o filme O segredo de Brokeback Mountain (2006) foi indicado a oito Oscars; Duas novelas da Rede Globo trouxeram em horário nobre alguns dos sofrimentos pelos quais passam casais homossexuais masculinos e noticiários deram conta de um casal de professoras que foi demitido por comportamento sexual inconveniente em sua escola. Muito embora o prefeito demissor tenha outra versão, o fato é que na maioria das vezes em que as pessoas falam sobre homossexualidade, valores (os seus ) éticos e morais permeiam o discurso.
A verdade é que o comportamento sexual de cada um, quando manifesto, passa pelo olhar do outro. Então, somente aquilo ao qual a cultura impinge como normalidade é o que poderá ser aceito. Mas onde está a normalidade? O escrito em epígrafe foi extraído do livro Travestis, entre o espelho e a rua do antropólogo carioca Hélio Silva (ed. Rocco, 2007) Nele, um travesti – ao qual a nossa cultura considera como um comportamento desviante – espanta-se com o comportamento de um casal gay, o que para muitos, causa outro espanto: como um travesti abisma-se com isto? Ele, por acaso, não beija também outros homens? A lógica é a seguinte: em sua cabeça, ele, o travesti, é mulher!
Na edição do ano de 1968, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) - livro de referência para a psiquiatria e profissionais da Saúde Mental - a homossexualidade aparecia em um capítulo sobre desvios sexuais, como um tipo de aberração na qual os interesses sexuais são “... dirigidos primariamente a objetos outros que não pessoas do sexo oposto”. No início da década de 70 a Associação Americana de Psiquiatria começou a reavaliar este conceito, não sem passar por um longo período de resistências e de discussões. Para a Classificação Internacional de Doenças, hoje CID-10, ainda na edição anterior (CID-9 de 1985) a homossexualidade ainda era considerada uma patologia. Anacrônico, o Deputado Estadual do Rio de Janeiro Edino Fonseca, em 2003, propunha a criação de um programa para tratamento psicológico de homossexuais, com o fim único de sua “recuperação”.
É preciso estar além dos preconceitos sociais com relação à homossexualidade, é preciso pensar no sujeito como ser humano, uma vez que é muito freqüente o surgimento de um quadro depressivo, de angústia e sentimentos de baixa-estima pela sensação de deslocamento que sofrem estas pessoas. Assumir uma condição homossexual pode engendrar uma séria de preconceitos: demissão de emprego - ainda que com motivos dissimulados – distanciamento social, isolamento, intolerância. Direitos decorrentes de união estável, projetos de adoção, possibilidades de uma vida afetiva em público tornam-se ideais distantes, às vezes quase inatingíveis, mas que podem tornar-se possíveis mediante muito esforço.
Tendo por máxima que a busca pela felicidade é inerente à condição humana, ainda que com limitações, é possível ao homossexual alcançá-la, porém, terá de empreender muito trabalho. Em que pese que o social o trate de forma discriminada, somente com uma conduta ética e de coerência pelo respeito humano é que ações inteligentes lhes garantirão direitos e lhes darão embasamento para realizar suas conquistas. Siga em frente.

César A R de Oliveira
Psicólogo

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A Avaliação Vocacional



“...A escolha profissional é uma tarefa que o indivíduo realiza dentro de sua realidade social, e que, portanto, sofre influência das instituições que a compõem: a família, o grupo de pares (amigos) a escola e a própria sociedade.” Kathia Neiva - psicóloga

A Psicologia Vocacional, ou de orientação profissional, longe de ser considerada um modismo, surgiu na Alemanha há mais de 100 anos a partir da possibilidade de o homem realizar a sua escolha profissional. A Revolução Industrial fez com que os ofícios não fossem mais apenas uma herança de pai para filho, com isto, acabou por viabilizar opções, iniciando-se um processo de exigências de qualificação para o exercício de certos trabalhos.
Passado pouco mais de um século, milhares de profissões foram criadas ao mesmo tempo em que outras tantas deixaram de existir ou modificaram-se profundamente. Esta dinâmica requer que estejamos atentos à perspectiva de que novas profissões ainda surgem num processo de tamanha velocidade que a atualização nesta área passa a ser imprescindível.
Como agir para auxiliarmos nossos filhos em suas escolhas?  Qual o grau de influência que, como pais, exercemos nesta hora? O que sabemos do mercado profissional da atualidade?
Estudos da psicologia têm concluído que há vários aspectos que interferem na escolha profissional, dentre eles, por exemplo, o padrão de personalidade, as capacidades intelectuais, o autoconceito desenvolvido ou o tipo de ambiente social no qual somos criados. É preciso que tenhamos consciência disto, pois muitas escolhas (principalmente na adolescência) podem se dar em função da profissão da moda, daquela que dá mais status social e que aparente ser mais lucrativa, de outra  em que a família diz ser feita para nós, ou ainda, de alguma que nos prometam ser um “mercado em expansão”.
Um trabalho de assessoramento psicológico adequado, parte das premissas de que o jovem deva saber sobre o mercado de trabalho e que passe a ampliar seu conhecimento sobre si mesmo, o que leva à construção de um viável projeto de carreira. Deve ainda ser capaz de acolher as dúvidas, os medos e as ansiedades para, em análise, discutir sobre habilidades, potencialidades, motivações e expectativas profissionais. Não obstante, um processo de escolha profissional é algo continuado e resultado de uma série de decisões ao longo da vida, e não uma opção de última hora. A clínica psicológica tem demonstrado que muitas frustrações se dão em ambientes de trabalho, onde as pessoas passam a maior parte do tempo de suas vidas, daí, a importância da melhor escolha.
Decidir por uma profissão é optar por um estilo de vida, um modo de viver, pois uma nova identidade surge com o seu exercício, e o crescimento e o desempenho neste novo papel será tão mais exitoso na medida em que a decisão tiver sido a mais adequada.
 

César AR de Oliveira – psicólogo

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A (nova) mulher de 50 anos

Uma nos instrui, nos aconselha... a outra (a jovem) quer tudo aprender...  A jovem acredita ter dito tudo despindo o vestido; mas uma mulher... se esconde sob mil véus... afaga todas as vaidades... Chegando a essa idade, a mulher sabe consolar em mil ocasiões em que a jovem só sabe gemer.”  In A mulher de 30 anos, Honoré de Balzac
 
É em consideração ao dia Internacional da Mulher que escrevo hoje sobre um novo perfil de mulher, aquela da faixa dos cinquenta anos. Se por um lado há o peso da idade, por outro, há sempre a possibilidade de uma compensação pela maturidade, pela experiência, e pela sensação de liberdade conquistada. Mirian Goldenberg é uma carioca dessa faixa etária, e, como doutora em Antropologia Social, realizou uma pesquisa comparativa entre essas mulheres no Brasil, na Espanha e na Alemanha, de onde se pode extrair interessantes informações.
Naturalmente, neste período aparecem preocupações com relação ao corpo, afinal, os sinais dos tempos vão deixando suas marcas: artrites, dores na coluna, algum ganho de peso, mas, principalmente, as mudanças na aparência. Outra grande preocupação diz respeito da dificuldade de encontrar um parceiro, o que é considerado um verdadeiro bem para aquelas que mantêm um relacionamento estável. Paradoxalmente, é uma idade onde a sensação de liberdade é mais manifestada, visto que a obrigação de cuidar do marido e dos filhos já não é tão intensa como nos primeiros anos de uma vida conjugal, e também por poderem assumir uma vida autônoma com menos preconceitos do que em outras épocas.
Respeitadas as diferenças culturais, diferentemente das compatriotas, para as alemãs as principais preocupações dizem respeito à qualidade de vida que conquistaram. Ao invés de sentirem-se velhas e acabadas, elas sentem-se mais maduras, seguras e confiantes, sem preocupações com sexualidade ou com a de aparentar menos idade do que realmente têm, o que consideram como uma indignidade. Todavia, deste lado do Atlântico, para muitas mulheres o envelhecimento é tido como uma grande perda de vitalidade e de sexualidade, o que não precisaria ser assim.
Felizmente, nem todas as mulheres pensam da mesma forma. Aquelas que descobriram que apenas olhar para o que estão perdendo não leva a lugar algum (além do Vale da Lamúria) deram novos cursos às suas vidas. Diferentemente das mulheres que ficam comparando-se com as de outras faixas etárias ou encontram-se presas a um modelo anacrônico de velhice, a nova mulher sabe que a vida pode ser muito melhor quando se tem um projeto. Com a simples constatação de que o amadurecimento é uma continuidade de sua existência e não um “problema” que surgiu do nada, as mudanças decorrentes acabam sendo melhores administradas. Buscar novas formas de prazeres, de relacionamentos sociais, de compreensão sobre o quanto pode ser mais feliz aproveitando-se de suas experiências, e de aceitar as imperfeições e mudanças em seu corpo, colocam esta mulher em sintonia com a vida.
Em outra pesquisa recentemente realizada em nove países do mundo, 93% das brasileiras manifestaram queixando-se sobre os preconceitos que sofrem as mulheres maduras, entre eles a falta de produtividade no trabalho ou o suposto desinteresse pelo sexo. Isto é corroborado pela antropóloga quando afirma que as mulheres brasileiras não gostam quando são chamadas de “senhora”, quando dizem que gostariam de continuar sendo paqueradas na rua e de serem chamadas de “gostosa”, ou então, quando reclamam da falta de os homens olharem mais para seus corpos.       
Sem qualquer exagero e até de forma elogiosa neste contexto, a moderna mulher de 50 anos pode ser comparada às balzaquianas descritas na primeira metade do século XIX por Honoré de Balzac em sua obra “A mulher de 30 anos” (epígrafe).  De lá para cá as descobertas científicas, os avanços da medicina e das áreas da saúde mental deram mais qualidade de vida e por conseguinte longevidade a todas. Dito isto, àquelas que encontram-se confusas sobre suas identidades, um aviso: ainda é tempo de muitas conquistas e de felicidades, basta ter um projeto para este novo momento de vida.
César AR de Oliveira – psicólogo

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A felicidade permitida no carnaval

“Um festival é um excesso permitido, ou melhor, obrigatório, a ruptura solene de uma proibição” – Sigmund Freud

 
Crescemos ouvindo que brasileiro tem samba no pé e que a ginga e o requebrado são atributos carnavalescos exclusivamente tupiniquins. Nossa cultura apropriou-se de tal forma do Carnaval que, assim como o futebol, nem lembramos de sua remota origem européia. Em intensa transformação desde as primeiras manifestações, o carnaval já teve significado ritualístico, religioso, de elitismo social nos clubes até chegar à modernidade como apelo turístico/cultural e de consumo que rende dividendos a vários segmentos.
Em que pesem todas estas variações do carnaval ao longo dos séculos, uma se manteve fiel à sua criação: o fato de ser um antídoto contra a tristeza. Na busca da felicidade a permissividade ocupa lugar de destaque, a fantasia ganha ares de realidade e tem de ser contagiante, pois errado é não gostar de carnaval. Porém, diz o poeta, “...a gente trabalha o ano inteiro por um momento de sonho, para fazer a fantasia (...) para tudo se acabar na quarta feira...”, e ai cristaliza-se um conceito que passa a falsa impressão de que somente nos momentos de festas é que podemos ser felizes.
A filosofia há séculos tem se ocupado sobre o que seja a felicidade, e a humanidade, a cada tempo, tem feito ilações das mais diversas: para Platão era um atributo da alma, para Aristóteles acrescia-se a propriedade de bens, e para muitas religiões era resultado de uma atitude contemplativa. Em outros momentos fora tida como um atributo que não estava sob o controle humano e por isto mesmo considerada como uma questão de sorte.
Por ser um sentimento de intenso valor subjetivo e uma ambição universal, a felicidade pode ser descrita como algo multiforme, e o que pode ser assim reconhecido por uns pode não o ser por outros. A psicóloga paulista Suely Gevertz faz uma interessante consideração, ela coloca a felicidade como um objeto de conquista do ser humano, e não como um atributo inato, afirmando que ser feliz é uma possibilidade no percurso da vida e que viver exclusivamente para encontrar a felicidade seria esquecer de viver. “É justamente ao elaborar frustrações, enfrentar dores, infortúnios, pesares, prazeres e também alegrias que se pode reconhecer e atingir a felicidade – ainda que de forma não duradoura.”
A felicidade como uma conquista pode ser uma concepção aceita na modernidade, mas isto requer uma ação, um movimento em sua direção. Esperar que com a chegada da festa (no caso o Carnaval) ela venha junto, deixa bem clara a situação cômoda e passiva que pode até trazer uma alegria ilusória mas que tende a acabar na quarta-feira de cinzas. Podemos construir a cada dia um instante de felicidade, uma pequena conquista que nos motive a outras tantas que venham a melhorar nossa qualidade de vida. Podemos aprender que se uma compra ou um novo emprego nos traz felicidade, estes são frutos de nossos esforços e não são a felicidade propriamente dita, pois se os perdermos, poderemos manter recursos de saúde psíquica capazes a novas conquistas.
A felicidade também significa estarmos bem ajustados frente a nossos medos a angústias, mas isto requer que pensemos sobre nossas experiências e as analisemos. Como resultado destas reflexões, poderemos encontrar respostas mais acertadas e que poderão servir de base para ações futuras muito mais seguras.
Se os momentos festivos prestam-se para a revitalização como uma injeção de ânimo, devemos ter claro que podemos nos permitir muito mais do que isto, não depositando nossas alegrias apenas em eventos externos com data e hora marcadas.



César A R de Oliveira – psicólogo

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Srs homens, não tenham vergonha!


 
“Nenê Hilário tirou uma licença por tempo indefinido, por razões médicas pessoais. Em respeito à privacidade e ao desejo de Nenê, divulgaremos maiores informações quando disponíveis” (Anúncio oficial do Denver – equipe de basquete dos EUA - em janeiro de 2008)

No início deste ano um caso de câncer chamou a atenção da mídia: Nenê, jogador brasileiro de basquete junto ao Denver da NBA dos EUA, afastava-se das quadras e a privacidade exigia que, momentaneamente, não se divulgasse por qual motivo de saúde. Naturalmente várias especulações ocorreram até que se diagnosticasse o câncer de testículo. Muito se fala que o câncer que mais acomete o homem é o de próstata - correto - mas pouco se fala de câncer de testículo ou de pênis. Isso tem uma razão: em 2005, levantamento da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) mostrou que a incidência do câncer de próstata no Brasil é de aproximadamente 51 (cinqüenta e um) casos novos a cada 100 mil habitantes, enquanto que para o câncer de testículo a ocorrência de 2 (dois) casos para cada 100 mil habitantes. Ou seja, há muito mais casos de câncer de próstata entre a população masculina, o que o deixa mais divulgado. No entanto, o que pouca gente sabe é que há um tipo de câncer que pode levar à amputação do órgão genital masculino, o câncer de pênis. No Brasil, este câncer representa cerca de 2% do total de tumores no homem e é cerca de 5 (cinco) vezes mais comum nas regiões Norte e Nordeste em comparação às regiões Sul e Sudeste. Segundo a SBU estes casos têm estreita relação com baixas condições sócio-econômicas da população masculina, onde a falta de cuidados com a higiene do pênis, e a falta de trato a pequenas rachaduras ou a leves ferimentos são apontados como co-responsáveis.
O apelo no título deste artigo é para um sentimento: o de que o homem não deve ter vergonha para tratar destas questões, principalmente quando tal omissão pode pôr em risco sua vida, seus planos futuros, seus sonhos. Então, façamos uma breve reflexão sobre o que este sentimento pode significar. Há muita resistência (e folclore) quanto ao exame da próstata: piadas masculinas decorrentes, vergonha em assumir ter realizado o exame de toque, etc. Mais recentemente, exames laboratoriais (PSA sérico) têm postergado o de toque retal, minimizando o que para muitos homens é um constrangimento. Ora, foi apenas por ter realizado um exame de urina anti-doping que Nenê, um jovem atleta de 25 anos de idade soube de seu diagnóstico e, o mais importante, conseguiu a tempo livrar-se do câncer de testículo. Não fosse isto, tivesse ele outra profissão que não exigisse tal cuidado com a saúde, como estaria hoje? Pela intervenção médica ocorrida em tempo, evitou-se a metástase, ou seja, com que as células cancerígenas espalhassem-se pelo corpo e com isto que se agravasse ou comprometesse a saúde e a vida de Nenê.
Chega de preconceitos! O espaço psicoterápico, muito mais acessível nos dias de hoje e que também luta contra seus próprios preconceitos (quem disse que psicólogos e psiquiatras são só para loucos?) é o ambiente propício para o acolhimento. Suspeitas de câncer tipicamente masculinos são negadas com muita freqüência, evitadas de se falar, relegadas a um segundo plano. O homem pode passar a se dedicar intensamente ao seu serviço como se o trabalho fosse preencher esta lacuna que o impediria de pensar, de refletir e de tomar uma atitude frente a esta realidade. Não raro, em muitos casos, alguns “afogam-se na bebida” ou passam a viver frustrados e deprimidos.Um acompanhamento psicológico durante a fase laboratorial e ainda no pré/pós cirúrgico (quando for o caso) auxilia em muito ao homem a fortalecer-se para melhor superar momentos de dificuldades e de preconceitos como este.
De nossa ilustração, o final feliz é que após os procedimentos clínicos que a situação exigia Nenê está recuperado. Na última semana de março retornou simbolicamente às quadras jogando o minuto final de uma partida de basquete: “Este minutinho que joguei foi um momento maravilhoso!”, disse ele. Agora é preciso a realização de check-ups periódicos para observação, pois o câncer de testículo diagnosticado como foi, é curável em mais de 95% dos casos.Sua equipe, o Denver, venceu o jogo, enquanto que Nenê, empurrado pelas circunstâncias, venceu uma das partidas mais difíceis de sua vida.

César A R de Oliveira – psicólogo