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segunda-feira, 23 de maio de 2011

A importância dos animais para a psicoterapia

“Quando Ulisses retorna a Ítaca após enfrentar os inimigos e a fúria dos deuses, ele verte lágrimas de emoção ao reencontrar seu velho cão Argos, o único a reconhecer o rei quando este chega trajado como um mendigo.”  in A Odisséia de Homero

A relação entre homens e animais faz parte da história da humanidade e sua ocorrência se dá nas mais diversas funções, desde a sua utilização para a tração, para a caça, locomoção, pastoreio, guarda, companhia dentre outras, além do que, é um fenômeno universal em distintas culturas com suas peculiaridades. Atenho-me a escrever sobre a aproximação/afinidade entre animais e seres humanos, prática descrita já em 370 a.C. por Hipócrates quando recomendava a eqüinoterapia como forma de recuperação do tônus muscular e de bem estar regenerativo à saúde.
Há na literatura vários relatos de pesquisas e de resultados do benefício que tal entrosamento pode trazer independentemente do animal que esteja em questão, e estes, podem ser os tradicionais cães e gatos bem como chinchilas, coelhos, tartarugas e até mesmo lesmas. Muitas são as conseqüências decorrentes, pois a simples presença de um animal pode evocar processos mnemônicos e cognitivos que ajudam, por exemplo, uma pessoa idosa a relembrar fatos passados e com isto ter despertadas emoções, enquanto que outros animais possam servir como sensibilizadores de funções táteis, olfativas ou de apoio contra-fóbico. Por outro lado, a interação entre cães e humanos, objeto de alguns estudos científicos, comprovou a diminuição de níveis de estresse, de pressão arterial, de colesterol e de casos de depressão, além de outras melhoras em muitos daqueles que se envolveram nestas relações. A companhia de um animal exige cuidados diários os quais, além das decorrentes atividades físicas (tratar, escovar, lavar, sair passear) permitem uma troca afetiva entre ambos, e é nesta oportunidade de uma comunicação não-verbal que se expressa a sinceridade. Em outras situações, muitas vezes as palavras ditas por alguém podem não manifestar seus reais sentimentos, ou então, estarem em discordância com suas expressões corporais, o que pode não acontecer quando estas são dirigidas aos animais.
A terapia mediada (ou assistida) por animais é multidisciplinar e serve-se a vários propósitos, sejam eles motivacionais, educacionais ou fisioterápicos, mas presta-se também para a psicologia como forma de apoio às melhorias em comportamento social ou reabilitações cognitivas e emocionais. Isto não quer dizer que a simples presença de um animal em casa seja terapêutica, mas sim, que a forma como se dá este convívio, quando de boa qualidade, serve como excelente instrumento para a potencialização da psicoterapia. É sabido que as pessoas cuidadoras de animais obtém melhores resultados psicoterápicos por estarem mais propensas às manifestações de sentimentos e à sua compreensão.
Muito cedo, durante uma fase de suas vidas, as crianças precisam afastar-se das mães para que seu processo de individualização (tornarem-se indivíduos) transcorra. É muito comum a entrada em cena do que o psicanalista inglês Donald Winnicott chamava de objeto de apego, de presença constante e como substituto da mãe, o qual pode ser exemplificado pelo paninho de dormir, o bichinho de pelúcia ou algo com esta função. Porém, num momento seguinte, o objeto que cumpre este propósito de transição precisa deixar de existir como tal, de maneira que os sentimentos de insegurança, de ansiedade ou de angústia da criança sejam naturalmente superados. Quando a criança tem acesso a um animal de estimação, seu processo de individuação e seu amadurecimento tendem a tornarem-se mais facilitados. Assim como Winnicott, Freud assegura que as crianças brincam também para controlar a ansiedade e organizar suas idéias e impulsos, e que a criança não encontra diferença entre sua própria natureza e a dos animais. Então, por imaginar (durante um período da infância) que os animais possam falar e pensar projetam neles sentimentos por pessoas próximas, servindo então de substitutos das figuras parentais. Considerando que não dá para puxar o rabo de um cachorro como um brinquedo e nem arrastá-lo pela sala, a projeção não é passiva, assim a criança aprende a lidar com as frustrações a as diferenças individuais.
De certa forma, sem as barreiras que o convívio social coloca – já que o contato físico entre humanos nem sempre é bem aceito – pessoas adultas conseguem ser um pouco mais sinceras com seus bichos de estimação quando lhes dão afago e expressões de sentimentos. O mesmo vale para aquelas pessoas que têm “barreiras psíquicas” e que encontram dificuldades em tocar outras pessoas, sintomas de inibições ou de angústia que quase as paralisam, mas que conseguem ser espontâneas com seus animaizinhos.
Assim, mais do que como um animal de companhia, nossos animais de estimação podem funcionar como motivadores e receptores de afetos, catalisadores de sentimentos e de expressões. As pessoas que mantém boas relações com eles estarão muito mais sintonizadas para a percepção do mundo que lhes acerca, e, desta forma, mais capazes de melhor usufruir da psicoterapia.

César A R de Oliveira – psicólogo

terça-feira, 3 de maio de 2011

Perdão e Psicologia Coexistem?



“O perdão é um catalisador que cria a ambiência necessária para uma nova partida, para um reinício”
Martin Luther King


É muito comum na cultura brasileira que a palavra perdão seja freqüentemente associada a um sentido religioso, o que está correto. Porém, de acordo com o Dicionário Aurélio, trata-se também de “...uma renúncia às conseqüências punitivas que se entendam justificáveis para transgressões a preceitos jurídicos, morais ou afetivos vigentes”. É sobre o aspecto afetivo do perdão que escrevo.
Em sua obra O poder do perdão (Ed. Novo Paradigma, 2002) o psicólogo americano Frederic Luskin realiza um estudo sobre a influência do perdão no bem estar e na saúde como um todo das pessoas. Em uma abordagem com bases e critérios científicos realizou pesquisas e experimentos inicialmente na Universidade Americana de Stanford e, posteriormente, em um projeto na Irlanda do Norte entre católicos e protestantes vítimas de violências atrozes decorrentes da crise política que assolou aquele País por mais de trinta anos. Mortes, torturas, desaparecimentos de pessoas queridas, humilhações físicas e morais desencadearam uma série de traumas psíquicos nos sujeitos da pesquisa. Em síntese, dos resultados do acompanhamento do seu projeto, algumas das conclusões foram as de que o aprendizado do perdão reduziu significativamente a quantidade de sintomas físicos (insônia, úlceras, gastrites, dores de cabeça entre outros) que o grupo sentia, promoveu melhoras na qualidade de vida e gerou novos posicionamentos de otimismo com relação ao futuro para muitos dos participantes.
A capacidade de perdoar pressupõe e amplia as possibilidades de escolha. Perdoar e perdoar-se andam juntos, requerem a renúncia das supostas onipotência e onisciência (uma espécie de orgulho) atribuídas a si próprio e ao outro. Perdoar-se por seus erros, numa dimensão justa, resulta do abandono das pretensões narcísicas geradoras de culpas, de necessidade de castigo e sentimentos de vergonha que chegam a aniquilar todo o ser. Perdoar, segundo alguns autores, “é despregar-se qualitativamente do passado”. Todavia perdoar não é esquecer, é também aceitar o passado como passado - que não pode ser desfeito - mas que pode se tornar mais leve, como acontece em todo processo de luto. Perdoar requer ainda alguma superação do ressentimento revanchista, o que só se faz com esforço e tempo, não pelo atalho de um impulso súbito.
Porém, abrir mão do lugar de eterna vítima acarreta o risco de reconhecer os próprios erros, os malefícios cometidos contra outros e não se perdoar. É no trabalho psicoterápico que se encontrará amparo para a avaliação desta condição. O filósofo Sartre diz que somos os autores de nós mesmos, desta forma, o roteiro que traçamos para nossas vidas pode ser reescrito a qualquer momento e um novo desfecho pode ser dado àquelas questões que nos tiram o sono, que nos impedem de sermos nós mesmos ou nos limitam em nossas vivências e relações. Àquilo que nos entristece.
O que é perdoar e o valor do perdão têm uma conceituação diferente para cada sujeito. Como psicólogo, é preciso analisar cada pessoa em sua individualidade ímpar, o peso que têm sobre ela suas singularidades éticas, as concordâncias e divergências com os valores e critérios coletivos de julgamento, os determinadores inconscientes de seus funcionamentos e condutas. Feito isto, a assertiva em epígrafe de Martin Luther King - mais jovem recebedor de um prêmio Nobel da Paz - se torna efetiva: criadas as condições para um novo começo, o processo psicoterápico surtirá efeito e um novo sujeito perceberá o mundo com outros olhos. Que sejam olhos de esperança e de felicidade.

César A R de Oliveira
psicólogo