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quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Aos cuidadores de enfermos


“... a alegria genuína e ingênua, estampada no olhar daquela mulher que um dia me acalentou e me protegeu, é a maior de todas as recompensas, é a confirmação de que estou no caminho certo, como pai de minha própria mãe”. Rodrigo Freitas

O ser humano é uma daquelas espécies que, se abandonado quando do nascimento, tem muito reduzida a possibilidade de sobrevivência porque o ato de viver exige cuidados. É muito freqüente, e cada vez mais devido ao aumento da longevidade, que filhos tenham que – numa inversão de papéis – vir a ser cuidadores de seus pais, como é o caso de Rodrigo (epígrafe) cuidador de sua mãe de 72 anos e acometida de Alzheimer.
Quando na família alguém adoece e fica na condição de necessitar de cuidados, é muito comum surgirem as primeiras divergências, principalmente se a situação se prolonga por meses ou anos. Em situações passageiras o que é visto como um problema pode ser tolerado na medida em que se vislumbra logo adiante o seu término. Mas no caso de a situação perdurar, quem será o responsável pela alimentação, higiene, controle sobre a medicação e tudo o mais que seja decorrente deste trabalho? Às vezes, o cônjuge está velho demais e sem forças para auxiliar, ou então, não existe. Entre os familiares podem surgir algumas discussões onde cada um busca priorizar o seu interesse: alguns estarão distantes morando em outras cidades, uns não podem mesmo faltar ao trabalho, outros não conciliarão noites mal dormidas (ou em claro) com os afazeres do dia seguinte, ou ainda, haverá aqueles que, mesmo com boa vontade, não demonstram aptidão para tais cuidados. Neste momento é freqüente a ocorrência de atritos e discussões que acabam por resultar em divisões e brigas na família, e, não raramente, acabando por restarem poucos para assumirem tais encargos.
Mas exercer na família o papel de cuidador implica em assumir uma tarefa desgastante, que não se restringe a um horário de “entrada e saída” e nem a plantões previamente agendados. O cuidador se sente envolvido afetivamente e ligado ao outro, e sofre quando - ao invés de progressos na saúde - constata que o quadro se agrava e a morte é iminente.
É comum ouvirmos que para cuidar, antes de tudo é necessário se cuidar, pois o cuidador é aquela pessoa que inspira confiança, acaba com o desespero, luta contra o medo, inicia ações positivas e produtivas, e sendo assim, todos esses valores teriam que fazer parte das práticas dessas pessoas. Quando se trata de um profissional contratado para este zelo com o familiar, pressupõe-se de que o mesmo esteja dando conta de sua saúde, mas é preciso estar atento a qualquer manifestação de impaciência ou de intolerância para com o enfermo, pois, esta é uma tarefa muito desgastante. Porém, quando incumbe a alguém da família o exercício deste papel, ocorre um impacto incomensurável na sua qualidade de vida. A carga emocional de se tomar conta de alguém enfermo é tão pesada que em um intervalo de poucos meses os efeitos também na sua saúde são visíveis: esgotamento físico, depressão, perda ou aumento de peso, gastrite, diminuição da libido, insônia, debilidade do sistema imunológico e tantas outras decorrências negativas ao organismo. Viver meses, anos a fio sob a tensão de cuidar sozinho de alguém, acaba incorrendo no que é conhecido como Síndrome de Burnout, uma exaustão e fadiga acentuada resultantes de um estresse prolongado e que compromete seriamente a saúde do cuidador.
Existem algumas formas de se aliviar esta sobrecarga, como, por exemplo, dividir a função de cuidador com outras pessoas, praticar exercícios físicos, reservar tempo para si mesmo, viajar por alguns dias, não se descuidar da sua alimentação, procurar dormir bem e encontrar qualquer atividade que, por uns tempos, tire o seu foco da tarefa de cuidar de uma pessoa. Isto não significa deixar de amar a pessoa que se cuida, mas sim, compartilhar também consigo mesmo este amor.
Em muitas vezes, a orientação ao cuidador por parte de um psicoterapeuta é capaz de fazer com que este perceba uma outra dimensão para a situação que esteja enfrentando, de que há milhares de pessoas vivenciando casos tão ou mais complicados do que o seu e que o excesso da carga afetiva que coloca nos cuidados, por vezes, poderá acabar fazendo falta para si. O cuidador precisa cuidar-se, do contrário, em algum momento, fatalmente necessitará também de alguém que o cuide.

César A R de Oliveira – psicólogo