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terça-feira, 16 de dezembro de 2014

O prazer em dar e receber presentes




 “Deixei meu sapatinho, na janela do quintal, Papai Noel me trouxe, um presente de Natal...”


Chegados a mais um final de ano, nos deparamos com nossa exigência cultural de comprarmos presentes para trocá-los - ou dá-los - na noite de Natal. Envolvidas em apelos midiáticos, muitas pessoas fazem esforços incríveis para agradar aos seus, mesmo que isto implique em ficar horas em filas e em lojas concorridas disputando mercadorias ou ainda a assumir dívidas que adentrem ao ano novo.
Não diminuindo a importância da humanização que os festejos natalinos propiciam a todos nós, (o que ocorre em boa hora, pois, parece que os acontecimentos diários nos deixam um pouco egoístas e menos sensíveis às dificuldades dos outros durante todo o ano) a valorização que damos para a troca de presentes serve para nos alimentarmos de momentos de prazer e de gratificação. Mais do que uma festa Cristã, a noite de Natal, antecedente ao feriado proporcionado, acaba sendo um momento de encontros e reencontros e é usufruída pela grande maioria das pessoas no mundo todo, indistintamente de crença religiosa.
Mas, diferentemente do que o senso comum possa pensar, o Natal não virou uma festa comercial onde o mais importante é a troca de presentes. O ato de trocar presentes ocorre desde que o homem passou a viver em comunidades nos mais variados momentos históricos e é objeto de estudos da Antropologia há anos. Por trás deste gesto, estão implícitos discursos de gratidão, de manifestações de carinho e de amor, de reconhecimento, de desejo de paz, dentre outros.
Tribos e povos muito primitivos há séculos já executavam tais trocas e o continuam fazendo até hoje, tal como presidentes e primeiros ministros quando em suas visitas a outros líderes. O importante antropólogo francês Marcel Mauss fez um interessante estudo no início do século passado onde, resumidamente, concluiu que as trocas de presentes implicavam em dar, receber e retribuir. Ou seja: dar um presente significa deixar quem o receba na obrigação de retribuir, e isto pode ocorrer com uma nova troca numa ocasião futura (iniciando um ciclo de reciprocidades afetivas) ou nas retribuições de gentilezas daí por diante, pois não é admissível sermos grosseiros com quem nos dá presentes. 
E é sobre isto que fundamento a importância das trocas de presentes de final de ano. Até mesmo o endividamento por parte de quem dá é carregado de um significado de necessidade de agradar, (mesmo que isto implique em obrigações financeiras por mais algum tempo) mas é um sacrifício que o presenteador entende como válido. O que difere uma pessoa que pelo prazer de dar algo afunda-se em dívidas,  de outra, que com parcimônia dá o pouco possível a cada um que lhe é afeto, tem a ver com seus recursos psíquicos. Neste texto, voltado para a para a manutenção da saúde psíquica, funciona a lógica de que é melhor só dar o que se tem ou que esteja ao seu alcance.
Mesmo aos contrários às comercializações de presentes nesta época cabe a lembrança de que muitas pessoas vão conquistar seu primeiro emprego em decorrência disto, outras vão conseguir manter suas famílias pelos mesmos motivos, e assim por diante. O ato de comercializar está inserido em nossa cultura, e o que é mais importante neste momento, é estarmos atentos ao quanto estamos investindo nestas trocas e o que isto tem de significado para nós. Afinal, podemos nos dar durante todo o ano, não sendo necessário esperarmos uma data e uma imposição cultural externa para que façamos algum gesto que signifique que temos consideração por alguém.
Boas Festas!



César AR de Oliveira – psicólogo


quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Aos cuidadores de enfermos


“... a alegria genuína e ingênua, estampada no olhar daquela mulher que um dia me acalentou e me protegeu, é a maior de todas as recompensas, é a confirmação de que estou no caminho certo, como pai de minha própria mãe”. Rodrigo Freitas

O ser humano é uma daquelas espécies que, se abandonado quando do nascimento, tem muito reduzida a possibilidade de sobrevivência porque o ato de viver exige cuidados. É muito freqüente, e cada vez mais devido ao aumento da longevidade, que filhos tenham que – numa inversão de papéis – vir a ser cuidadores de seus pais, como é o caso de Rodrigo (epígrafe) cuidador de sua mãe de 72 anos e acometida de Alzheimer.
Quando na família alguém adoece e fica na condição de necessitar de cuidados, é muito comum surgirem as primeiras divergências, principalmente se a situação se prolonga por meses ou anos. Em situações passageiras o que é visto como um problema pode ser tolerado na medida em que se vislumbra logo adiante o seu término. Mas no caso de a situação perdurar, quem será o responsável pela alimentação, higiene, controle sobre a medicação e tudo o mais que seja decorrente deste trabalho? Às vezes, o cônjuge está velho demais e sem forças para auxiliar, ou então, não existe. Entre os familiares podem surgir algumas discussões onde cada um busca priorizar o seu interesse: alguns estarão distantes morando em outras cidades, uns não podem mesmo faltar ao trabalho, outros não conciliarão noites mal dormidas (ou em claro) com os afazeres do dia seguinte, ou ainda, haverá aqueles que, mesmo com boa vontade, não demonstram aptidão para tais cuidados. Neste momento é freqüente a ocorrência de atritos e discussões que acabam por resultar em divisões e brigas na família, e, não raramente, acabando por restarem poucos para assumirem tais encargos.
Mas exercer na família o papel de cuidador implica em assumir uma tarefa desgastante, que não se restringe a um horário de “entrada e saída” e nem a plantões previamente agendados. O cuidador se sente envolvido afetivamente e ligado ao outro, e sofre quando - ao invés de progressos na saúde - constata que o quadro se agrava e a morte é iminente.
É comum ouvirmos que para cuidar, antes de tudo é necessário se cuidar, pois o cuidador é aquela pessoa que inspira confiança, acaba com o desespero, luta contra o medo, inicia ações positivas e produtivas, e sendo assim, todos esses valores teriam que fazer parte das práticas dessas pessoas. Quando se trata de um profissional contratado para este zelo com o familiar, pressupõe-se de que o mesmo esteja dando conta de sua saúde, mas é preciso estar atento a qualquer manifestação de impaciência ou de intolerância para com o enfermo, pois, esta é uma tarefa muito desgastante. Porém, quando incumbe a alguém da família o exercício deste papel, ocorre um impacto incomensurável na sua qualidade de vida. A carga emocional de se tomar conta de alguém enfermo é tão pesada que em um intervalo de poucos meses os efeitos também na sua saúde são visíveis: esgotamento físico, depressão, perda ou aumento de peso, gastrite, diminuição da libido, insônia, debilidade do sistema imunológico e tantas outras decorrências negativas ao organismo. Viver meses, anos a fio sob a tensão de cuidar sozinho de alguém, acaba incorrendo no que é conhecido como Síndrome de Burnout, uma exaustão e fadiga acentuada resultantes de um estresse prolongado e que compromete seriamente a saúde do cuidador.
Existem algumas formas de se aliviar esta sobrecarga, como, por exemplo, dividir a função de cuidador com outras pessoas, praticar exercícios físicos, reservar tempo para si mesmo, viajar por alguns dias, não se descuidar da sua alimentação, procurar dormir bem e encontrar qualquer atividade que, por uns tempos, tire o seu foco da tarefa de cuidar de uma pessoa. Isto não significa deixar de amar a pessoa que se cuida, mas sim, compartilhar também consigo mesmo este amor.
Em muitas vezes, a orientação ao cuidador por parte de um psicoterapeuta é capaz de fazer com que este perceba uma outra dimensão para a situação que esteja enfrentando, de que há milhares de pessoas vivenciando casos tão ou mais complicados do que o seu e que o excesso da carga afetiva que coloca nos cuidados, por vezes, poderá acabar fazendo falta para si. O cuidador precisa cuidar-se, do contrário, em algum momento, fatalmente necessitará também de alguém que o cuide.

César A R de Oliveira – psicólogo

domingo, 10 de agosto de 2014

PAIS EM CONFLITO COM A FUNÇÃO PATERNA

“A noção tradicional de que, para uma criança, basta a mãe caiu por terra” – Martha Mendonça - jornalista

Em mês de comemoração do Dia dos Pais, congratulo-me com todos os que têm justificados motivos para comemorações, mas escrevo, em especial, àqueles pais que nesta ocasião sentem um aperto no peito e não veem alegrias na data. Refiro-me aos que estão distantes ou separados de seus filhos.
Duas recentes produções cinematográficas brasileiras promovem fortes discussões sobre as relações de pais e filhos, mais precisamente, sobre a figura masculina: A morte inventada (disponível em DVD) do cineasta carioca Alan Minas e Nada sobre meu pai de Susanna Lira (www.nadasobremeupai.com.br). Na primeira, a abordagem se dá sobre os sentimentos de pais que após a separação conjugal ficam distantes de seus filhos, enquanto que na segunda, a temática versa sobre as consequências de não se ter registrado o nome do pai na identificação dos filhos, ou seja, como vivem crianças que sequer sabem quem são seus pais ou então, quando sabem, de seus sofrimentos por não terem por eles reconhecida esta condição.
Estudos da área da psicologia em várias partes do mundo apenas reforçam o que pode ser percebido na prática, que crianças que contam com o envolvimento dos pais no dia-a-dia têm maior autoestima, aprendem melhor e apresentam menos sinais de depressão. A psicóloga Vera Resende, da Universidade Estadual Paulista, chegou a conclusões semelhantes após acompanhar, por três anos, crianças com problemas emocionais: "Em 80% dos casos, elas não estão doentes. Só expressam dificuldades nas relações com a família, sobretudo em relação à ausência paterna", diz. Muitos distúrbios como hiperatividade, insegurança, dificuldades de relacionamentos e depressão podem estar vinculados à ausência da figura paterna na formação e na educação infantil, porém, isso não significa que os pequenos criados somente pela mãe estejam necessariamente condenados a transtornos emocionais. Fundamental é o desempenho da função paterna, a qual pode ser realizada parcialmente pela própria mãe ou então por um avô, um tio ou aquele velho amigo da família, muito embora desta forma sempre vá ter suas limitações.
Não obstante a existência de dados indicando que no Brasil após a separação do casal 95% das mães detêm a guarda dos filhos, tal fato não significa que os pais aprovem o rompimento de laços afetivos como consequência da dissolução familiar. Mesmo que venham a constituir outra família, muitos pais gostariam de poder manter suas relações filiais e as trocas de afetos com seus filhos.
Por outro lado, no documentário de Susanna, o problema focado em filhos que desconhecem seus pais transcende esta ausência e leva-nos a refletir sobre o quanto poderá ficar comprometido o desempenho do papel de pai daquele que nunca (ou pouco) o teve ao seu lado. Por mais que alguém venha a desempenhar tal figura em aspectos de afetividade, a rejeição do reconhecimento da paternidade biológica ficará como uma marca.
Ainda que os dois filmes dos quais me refiro estejam aparentemente em situações de oposição, tanto o pai que deseja o contato com os filhos (mas que esteja sendo por algum motivo tolhido) quanto aquele que sequer reconhece qualquer vínculo afetivo para com a criança que gerou, têm influências sobre o futuro de seus rebentos. Sentimentos de vergonha pela condição de ignorância da paternidade são frequentes, não raramente algumas pessoas ficam constrangidas no preenchimento de algum protocolo quando lhes pedem “o nome do pai”. Mais grave ainda foi a descoberta de Susanna ao elaborar seu documentário de que cerca de 80% de jovens infratores brasileiros não tinham o nome do pai na certidão, numa afirmação de o quanto é importante  a existência de uma figura paterna de qualidade para pelo menos se buscar um saudável desenvolvimento psicossocial.
Um interessante livro infantojuvenil sobre esta temática é de autoria de Walcir Carrasco e intitula-se A palavra não dita, o qual, se lido pelos pais, poderá auxiliar em muito na compreensão da importância de seus papéis, visto sob a ótica dos filhos.
César AR de Oliveira – psicólogo

segunda-feira, 31 de março de 2014

Trânsito, bicicletas e humanização

Na última quinta feira dia 20 de março (2014) em Porto Alegre duas jovens universitárias morreram atropeladas por ônibus enquanto deslocavam-se em suas bicicletas, e, no domingo à noite, outro ciclista foi atropelado na capital, mas sobreviveu. O fato de acontecerem estas duas mortes em um intervalo inferior a oito horas, chamou a atenção de mídia, pois, no momento em que até mesmo em cidades menores o trânsito fica mais caótico e estressante e que as bicicletas ressurgem como possibilidades “sustentáveis”, o desrespeito à vida continua.
Mais uma vez poderemos ouvir o chavão “banalização da morte”. Morrem pessoas todos os dias, morrer é natural, assim como achamos natural também ter pressa no trânsito, cometer pequenas faltas se entendermos justificáveis (incluam-se ignorar faixa de segurança – local onde uma das ciclistas foi atropelada - passar ao sinal vermelho, estacionar em locais não permitidos, calçadas, esquinas, mesmo que implique em dificultar a visibilidade e a segurança dos demais). Também é normal atender ao telefone, ler e até mesmo enviar mensagens de texto enquanto se dirige! Só não achamos normal quando quem morre é alguém que nos é próximo, e, no ano passado a capital registrou oito mortes de ciclistas no trânsito, nenhuma nos disse respeito.
No velório, a fala em entrevista da amiga de uma das ciclistas mortas nos é muito peculiar; disse: “as pessoas [que dirigem] não tem educação mesmo”... Mas, e se esta moça dirige (ou certamente algum familiar seu o faz), ela considera-se também sem educação? Se, algum familiar, o que faz para corrigi-lo? O fato é que tendemos sempre a apontar no outro o problema. No protesto realizado na sexta feira à noite, centenas de ciclistas bloquearam o cruzamento de um dos locais de acidente e manifestaram suas indignações com a falta de respeito no trânsito, e, chamou-me a atenção de que a tônica da manifestação era pela humanização do trânsito.
Como psicólogo com especialização em Psicologia do Trânsito escrevo agora sobre o óbvio, a teórica composição do triângulo do trânsito, a saber, O SER HUMANO, o veículo e as vias.  Desnecessária a observação de que o único ser pensante neste contexto e que influencia nos demais somos nós, a quem cabe toda e qualquer possibilidade de mudança para um trânsito seguro e, efetivamente humanizado. A observação de um repórter que esteve no local de protesto é digna de nota. Escreveu: “A manifestação, porém, não teve características de um protesto carregado de queixas e reivindicações. Em verdade, a ação foi envolta por contornos de emoção, pedidos de humanidade, paz e harmonia”.

Cada um de nós pode fazer algo por um trânsito mais humano: como pedestres, ciclistas ou condutores de veículos.