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terça-feira, 27 de agosto de 2013

27 DE AGOSTO, DIA DO PSICÓLOGO: mas e quem precisa dele?

“Doutor, o senhor não acha melhor eu esquecer o meu passado, tão traumático, em vez de lembrá-lo?”


No final deste mês a profissão de psicólogo completará 51 anos de regulamentação da atividade no Brasil. A data, 27 de agosto, é uma referência ao dia em que foi promulgada a Lei 4119/62 e que trata do exercício profissional.
De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho e Emprego, a função de psicólogo está definida como a que “... estuda, pesquisa e avalia o desenvolvimento emocional e os processos mentais e sociais de indivíduos, grupos e instituições...”, daí sua aproximação com o ser. Em outras palavras, é no exercício diário que se vislumbram as dificuldades desta profissão, quer sejam pelas resistências de toda a ordem de quem procura ou é encaminhado a um atendimento clínico ou mesmo, às existentes no âmago das instituições e outros locais de trabalho onde o psicólogo esteja presente. Ainda que os preconceitos estejam diminuindo, não é raro ouvir manifestações de que psicólogos sejam para os outros, menos para quem indique.
O fato é que cada vez mais doenças ditas da modernidade como estresse ou depressão estão causando faltas ao trabalho, à escola, compromissos, ou então, a manifestação de seus sintomas acabam prejudicando relacionamentos sociais ou afetivos, resultando em brigas de casais, separações ou conflitos entre pais e filhos, por exemplo. Mas, enquanto se olhar apenas para os sintomas, muitas pessoas vão consumindo “remédios” para poder dormir, diminuir ansiedades ou sentirem-se mais relaxadas. E sobre o sintoma, há o clássico exemplo do motorista que, enquanto dirigia, ao ver uma luz vermelha no painel de seu veículo acender, preocupado, para em uma oficina para os devidos reparos. Fica atônito ao ver o mecânico cortar o fio daquela lâmpada e arrancá-la, dizendo-lhe que não se preocupasse, pois esta não acenderia mais.
Ir além do sintoma, buscar o entendimento sobre o que lhe tira o sono ou então o que lhe deixa tenso (o que fez a luz vermelha acender), significa dar um grande passo em direção ao autoentendimento, para enfrentar coisas que por vezes preferimos não ver. De grande expressão no meio psicanalítico, o gaúcho David Zimerman em seu livro Vivências de um Psicanalista relata quase uma centena de casos de atendimentos que servem de norte para todas as formas e técnicas psicoterápicas, pois acima de tudo, apresenta relatos de uma profissão que lida com o ser humano, com seus sentimentos. Da obra, citei - em epígrafe - o título de um capítulo no qual relata sobre uma pessoa que o procurou para atendimento e que lhe fizera aquela proposta: esquecer. Em resposta, ouviu do eminente psicanalista de que a melhor forma de esquecer é lembrar. E este é um dos fundamentais princípios psicoterápicos.
Assim, do rol de atribuições que a CBO venha a elencar como sendo do fazer psicoterápico, a essência é considerarmos que se trata de uma relação humana única, onde confiança e respeito mútuo devem preponderar e o permitir-se falar seja mais do que um simples desabafo, seja uma via de fazer. Se de todo o trabalho for possível a reconstrução de uma pessoa mais madura, capaz de poder enfrentar as dificuldades do cotidiano com melhor desenvoltura, então, a possibilidade de que esta efeméride de finais de agosto mereça ser comemorada passa a fazer sentido.
Parabéns a todos (as) colegas psicólogos.



César AR de Oliveira – psicólogo

sábado, 11 de maio de 2013

O Dia das Mães para as mulheres que não são mães...


Gosto da reflexão que nos sugere o antropólogo Roberto Crema quando cria o termo “Normose” definindo-o como a patologia da normalidade. Segundo ele, “O normótico é aquele que se adapta a um sistema doente e faz como a maioria...”. E o que isto tem a ver com o Dia das Mães? Pois bem, o universo feminino sempre teve uma parcela de mulheres que nunca foram mães, quer sejam por questões de ordem biológica (às vezes impossibilitadas pelo marido), por condições de saúde própria ou por imposições culturais, e, estima-se, que 20% de mulheres compunham este grupo. Na modernidade, o que mais influencia para tal pode ser a liberdade de escolha em não ser mãe, às vezes, por priorizar a carreira profissional, os estudos, ou simplesmente como forma de viver com mais liberdade. Já não impera tanto a pressão cultural, a normose de que toda a mulher tem de casar e de ter filhos. Há até um neologismo inglês cunhado para esta nova realidade: childfree, o qual, numa tradução ao pé da letra, significaria livre de filhos.
Concordâncias (ou não) à parte, o fato é que há mulheres que têm a consciência de que a maternidade implica em responsabilidades que transcendem a si, e, mesmo com os avanços da medicina com técnicas de fertilização, ou ainda, com as opções legais de adoção, optam por não serem mães. Mas isto não as tira da condição de filhas e de quem tem um compromisso filial e de reconhecimento às suas genitoras; não as afasta de amigas que dividem-se entre trabalho, academias, supermercados e escolas buscando seus filhos, e, muito menos, das condições parentais de tias, madrinhas ou cunhadas que transmitem seus carinhos aos pequenos.
É preciso darmo-nos conta de que as mudanças sociais em diferentes culturas ocorrem a todo o instante e nos mais diferentes aspectos. Se no Brasil, no final da década de 60, a mulher tinha em média seis filhos, na década de 70 este índice baixou para 4,5 e, segundo dados do IBGE de 2010, o valor atual está em torno de 1,86; nem mesmo o normótico e ideal “casal de filhos” já é possível quando a maternidade ruma para a média de um único filho, o que implica necessariamente em casais sem filhos, já que se trata, repito, de uma média por casal.
Longe de deixar a efeméride de lado, o propósito deste artigo era lançar luzes a uma reflexão de que, se por um lado há todos os motivos para parabenizarmos as mulheres-mães por tudo o que significam para seus filhos, não seria justo desconsiderarmos aquelas que, mesmo por não terem filhos, não são menos importantes nesta data: quantas mulheres profissionais não são mães e nem por isto deixam de dedicar-se aos filhos dos outros? Aos nossos filhos? Parabéns a todas as mães e às mulheres que exercem esta função nesta data, mesmo na condição de não serem mães...
César A R de Oliveira – psicólogo

quarta-feira, 20 de março de 2013

Nosso Espelho Interior


“Geralmente, temos muito cuidado e zelo com nosso corpo. Nós o lavamos e limpamos quando está sujo e cheirando mal. Às vezes, nós o enfeitamos e perfumamos com fragrâncias caríssimas. Mas que cuidado temos com a nossa mente?” - Ênio Burgos, médico 

Em meio a tantas obras literárias, resolvi comentar algo de um livro chamado “Medicina Interior – a medicina do coração e da mente” (Ed. Bodigaya, 2006) de autoria de Ênio Burgos, médico, físico, escritor e compositor gaúcho, que nos leva em sua obra a questionamentos e reflexões fundamentais sobre a existência humana e que continuam na atualidade a inquietar nossos pensamentos, mesmo frente a toda a modernidade.
Pela epígrafe, antevê-se a importância que as mais diversas culturas dão ao corpo físico, o biológico e aparente que nos mostra aos outros. O pensamento cartesiano apresentou à ciência um ser humano cindido, dividido entre “corpo e mente”, conceito que é naturalmente aceito até os dias de hoje muito embora seja impossível e existência saudável e única de um ou de outro. Ora, se corpo e mente são interdependentes (literalmente dependem entre si) é necessário que ao pensarmos em nossa saúde o façamos através de uma ótica integral, holística, afinal, padecer de uma doença “apenas” do corpo físico ou da mente minimizaria nosso sofrimento?
Em nossa cultura, em muitos momentos vemos a morte representada por uma figura de preto, encapuzada e que normalmente oculta sua face e empunha uma foice com o propósito de ceifar vidas. Para algumas culturas orientais, a morte é representada pelo mito do deus Yama, o qual carrega em suas mãos um espelho, cuja finalidade é a de refletir a mente da pessoa que morreu, uma vez que o corpo já não existiria mais. E, diz a lenda, o destino daquela alma será uma conseqüência daquilo que aparecer no espelho.
Bem, espelho para mirarmos nosso corpo físico e nos mostrar nossa aparência todo mundo conhece, mas, e se existisse um espelho para mostrar nossa alma, nossa vida interior, o que mostraria? É através da mitologia grega que Freud estrutura seu conceito sobre narcisismo, uma espécie de amor próprio que nos constitui na infância e nos acompanha por toda a existência e que pode nos oportunizar aspectos de uma vida saudável, ou então, ensejar possibilidades de uma forma de vida doentia. E o mito de Narciso surge do ato de aquele jovem ficar mirando-se em seu reflexo sobre a água, encantando-se com o que via. Porém se tivéssemos - ainda que por um instante - em nossas mãos o espelho de Yama, gostaríamos do que veríamos? Como está nosso trato, nossa atenção para com nossa saúde? Como lidamos com nossas emoções? Temos paciência, tolerância, quando necessário? Veríamos gestos de amor ao próximo na mesma proporção de amor-próprio?
A vida nos alcança em alguns momentos o espelho de Yama, basta que nos apercebamos. Acontece que aquelas pessoas que estão mais preocupadas com o mundo externo (este que pode ser visto no reflexo de um espelho comum) deixam de lado oportunidades para uma introspecção ou de dedicarem um tempo a si mesmo, e, habituadas, conseguem apenas olhar para fora enxergando somente aparências. O olhar ao espelho de Yama é algo pessoal, per si, não podendo ser delegado a outra pessoa. Quem tentar olhar a mim verá apenas aquilo que os seus olhos mostrarem, enquanto que eu verei meu próprio Eu, a essência, o meu Ser.
A sabedoria popular nos diz que se quebrarmos um espelho teremos sete anos de azar, porém, a maior qualidade deste espelho interior é a de que seja indestrutível. Isto nos assegura que não podemos optar por quebrá-lo como forma de fugirmos a algo que não gostaríamos de ver, pelo contrário, ao invés de um castigo finito em sete anos, somos obrigados a carregá-lo por toda a vida para que possa refletir, no momento do derradeiro, nossa vida.
É oportuno que consideremos por um instante o mito do deus Yama como possibilidade, isto nos auxiliaria a amadurecermos e darmos novos cursos à nossa vida, pois sempre é tempo de buscarmos nosso aperfeiçoamento moral e espiritual.
César A R de Oliveira – psicólogo