“(...) de modo que, ao ouvirem a notícia da morte de
Ivan Ilitch, a primeira coisa que lhes passou pela cabeça foi o possível efeito
na rodada de transferências e promoções para eles ou seus companheiros”
(Tolstoi).
Na
clássica e centenária obra de Leon Tolstoi, A
morte de Ivan Ilitch, o enredo trata sobre os últimos dias de vida de um
magistrado da Corte Suprema da Rússia do início do século passado. Após sentir
as dores de uma doença cujo diagnóstico era incerto para seu médico, Ivan
Ilitch vai ficando cada vez mais enfermo e incapacitado para o trabalho e para
o gozo da vida. Passa a depender dos cuidados da família (insatisfatórios e
desprovidos de afetos) mas os encontra em um humilde serviçal o qual,
efetivamente, lhe amparou naqueles momentos difíceis. Restrito aos seus
aposentos agoniza seus últimos dias refletindo sobre como fora sua vida, que
lembranças boas ainda lhe ocorriam e o que poderia ter feito para uma vida
melhor. Enquanto isto, no círculo de suas relações de trabalho, as preocupações
eram sobre quem tomaria seu cargo e que outros colegas poderiam ser
beneficiados com isto (epígrafe).
Enredo
de literatura? Não, a mesma história poderia ser transposta para muitas
situações atuais. Quando no auge de sua vitalidade física, Ivan Ilitch,
desgostoso de seu casamento já no primeiro ano enfurnava-se cada vez mais em
seu trabalho como fuga da frustrada relação conjugal. Sua vida repleta de
ocasiões carreiristas o fizera optar por promoções e transferências que julgava
oportunas para sua ascensão, decisões que tomava à revelia dos interesses de
sua família. Assim, ao adoecer, não encontrara no lar o respaldo que poderia
ter amenizado seu sofrimento. Nos dias de hoje, são muitas as pessoas que
priorizam seus estudos, trabalho e obrigações sociais para só então, em
terceiro ou quarto plano incluírem no cenário suas famílias. Sob a tão surrada
alegação de “falta de tempo” vão encontrando justificativas para continuarem
com suas elegidas prioridades. Mas quem os socorrerá nas horas de aflições?
Se
por um lado o senso comum diz que a única certeza da vida é a morte, por outro,
Sigmund Freud em seu ensaio “Nossa
atitude para com a morte (1915)”, escrevera que no inconsciente cada um de
nós está convencido de sua própria imortalidade. Ora, lidamos com esta
dualidade simplificando-a: a morte existe nos outros, então, não devemos nos
preocupar com ela. E é desta forma que muitas pessoas agem em seu cotidiano,
como se imortais fossem. Não é preciso ter a morte como uma ameaça constante a
reger nossas condutas, muito menos agir ou deixar de agir por um pensamento
desta ordem, todavia, se tivermos um mínimo de consciência de nossa finitude
poderemos melhorar nossas ações. Seria muito mais interessante se tivéssemos a
vida por princípio e como justificativa para tudo. Assim, no automóvel, utilizaríamos
o cinto de segurança por amor à vida e não pelo temor à multa e viveríamos mais
felizes e satisfeitos se lembrássemos de que por nossos atos podemos fazer
alguém feliz. Faríamos menos caras-feias e, quem sabe, saudaríamos nossos
vizinhos. Muito possivelmente viveríamos melhor.
A
mitologia greco-romana traz a figura do Rei Sísifo, o qual, por sua ardileza,
acorrentou a própria morte e ainda enganou o deus dos infernos, conseguindo inclusive
voltar de lá à vida. É claro que tempos depois chegou o dia derradeiro em que
ele não teve escapatória, e pelo que fez, foi condenado perpetuamente a rolar
uma pedra até o alto de uma montanha. Cada vez que chegava ao topo a pedra lhe
escapava e voltava ao sopé para que reiniciasse seu árduo e infindável trabalho.
Assim
como o mito, algumas pessoas enganam aos outros e a si mesmos com atitudes as
quais, pensam, não terão maiores conseqüências. Todavia, em algum momento – daí
a certeza da morte – ações ou omissões, poderão fazer a diferença. Então, que
vivamos bem o hoje e o agora, reavaliando nossas vidas enquanto há tempo para
novos rumos, fazendo o bem, sendo mais tolerantes, e acreditando que sempre há
alguém que possa necessitar de nossa atenção. Boas reflexões, Boas Festas, e um
ano de 2016 cheio de realizações!
César A R de Oliveira
Psicólogo
saude_mental@outlook.com
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