“Geralmente,
temos muito cuidado e zelo com nosso corpo. Nós o lavamos e limpamos quando
está sujo e cheirando mal. Às vezes, nós o enfeitamos e perfumamos com
fragrâncias caríssimas. Mas que cuidado temos com a nossa mente?” - Ênio Burgos,
médico
Em meio a tantas obras literárias,
resolvi comentar algo de um livro chamado “Medicina
Interior – a medicina do coração e da mente” (Ed. Bodigaya, 2006) de
autoria de Ênio Burgos, médico, físico, escritor e compositor gaúcho, que nos leva
em sua obra a questionamentos e reflexões fundamentais sobre a existência
humana e que continuam na atualidade a inquietar nossos pensamentos, mesmo
frente a toda a modernidade.
Pela epígrafe, antevê-se a importância
que as mais diversas culturas dão ao corpo físico, o biológico e aparente que
nos mostra aos outros. O pensamento cartesiano apresentou à ciência um ser
humano cindido, dividido entre “corpo e mente”, conceito que é naturalmente
aceito até os dias de hoje muito embora seja impossível e existência saudável e
única de um ou de outro. Ora, se corpo e mente são interdependentes
(literalmente dependem entre si) é necessário que ao pensarmos em nossa saúde o
façamos através de uma ótica integral, holística, afinal, padecer de uma doença
“apenas” do corpo físico ou da mente minimizaria nosso sofrimento?
Em nossa cultura, em muitos momentos
vemos a morte representada por uma figura de preto, encapuzada e que
normalmente oculta sua face e empunha uma foice com o propósito de ceifar
vidas. Para algumas culturas orientais, a morte é representada pelo mito do
deus Yama, o qual carrega em suas mãos um espelho, cuja finalidade é a de
refletir a mente da pessoa que morreu, uma vez que o corpo já não existiria
mais. E, diz a lenda, o destino daquela alma será uma conseqüência daquilo que
aparecer no espelho.
Bem, espelho para mirarmos nosso corpo
físico e nos mostrar nossa aparência todo mundo conhece, mas, e se existisse um
espelho para mostrar nossa alma, nossa vida interior, o que mostraria? É
através da mitologia grega que Freud estrutura seu conceito sobre narcisismo,
uma espécie de amor próprio que nos constitui na infância e nos acompanha por
toda a existência e que pode nos oportunizar aspectos de uma vida saudável, ou
então, ensejar possibilidades de uma forma de vida doentia. E o mito de Narciso
surge do ato de aquele jovem ficar mirando-se em seu reflexo sobre a água,
encantando-se com o que via. Porém se tivéssemos - ainda que por um instante -
em nossas mãos o espelho de Yama, gostaríamos do que veríamos? Como está nosso
trato, nossa atenção para com nossa saúde? Como lidamos com nossas emoções?
Temos paciência, tolerância, quando necessário? Veríamos gestos de amor ao
próximo na mesma proporção de amor-próprio?
A vida nos alcança em alguns momentos o
espelho de Yama, basta que nos apercebamos. Acontece que aquelas pessoas que
estão mais preocupadas com o mundo externo (este que pode ser visto no reflexo
de um espelho comum) deixam de lado oportunidades para uma introspecção ou de
dedicarem um tempo a si mesmo, e, habituadas, conseguem apenas olhar para fora
enxergando somente aparências. O olhar ao espelho de Yama é algo pessoal, per si, não podendo ser delegado a outra
pessoa. Quem tentar olhar a mim verá apenas aquilo que os seus olhos mostrarem,
enquanto que eu verei meu próprio Eu, a essência, o meu Ser.
A sabedoria popular nos diz que se
quebrarmos um espelho teremos sete anos de azar, porém, a maior qualidade deste
espelho interior é a de que seja indestrutível. Isto nos assegura que não
podemos optar por quebrá-lo como forma de fugirmos a algo que não gostaríamos
de ver, pelo contrário, ao invés de um castigo finito em sete anos, somos
obrigados a carregá-lo por toda a vida para que possa refletir, no momento do
derradeiro, nossa vida.
É oportuno que consideremos por um
instante o mito do deus Yama como possibilidade, isto nos auxiliaria a
amadurecermos e darmos novos cursos à nossa vida, pois sempre é tempo de
buscarmos nosso aperfeiçoamento moral e espiritual.
César A R de Oliveira – psicólogo
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