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segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Duas Histórias...



 “Eu deparei com um corpo que não pode mais nada e cheio de complicações. Em contraposição, acompanha-o uma mente sã, rápida em raciocínio, cheia de sonhos, lembranças, amores e informações...”  Luciana Scotti,

O livro Sem asas ao amanhecer (Ed. O nome da Rosa, 2003) trata da história comovente de uma jovem paulista graduada em farmácia, que aos 23 anos de idade sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) – de forma leiga, também chamado de derrame - e após dois meses em estado de coma ficou tetraplégica e incapaz de falar. Com muito esforço e vontade de viver, após incontáveis sessões de terapias de ordem psicológica e física (trabalho muscular, postural, de equilíbrio, fonoaudiologia dentre outros), ela deu novo rumo à sua vida. Movendo apenas e parcialmente um único dedo, conseguiu restabelecer aquilo que de mais precioso pode ter um ser humano: a capacidade de se comunicar. 
Associo a história de Luciana com a de um amigo passofundense que por ocasião do parto, teve uma falta de oxigenação em seu cérebro, do que lhe resultou uma paralisia cerebral e alguns danos neurológicos. Há uma grande desinformação por parte das pessoas quanto àquelas que trazem uma condição singular de uma necessidade especial. Num mundo onde não se tem tempo para muitas coisas, abreviam-se tais sujeitos classificando-os, genericamente, de PPD (Pessoa Portadora de Deficiência). Rotulados, catalogados, e listados em uma Previdência que sequer é capaz de minimizar suas dificuldades, seja com a disponibilização de medicamentos ou de práticas clínicas possíveis de reabilitá-los (ainda que dentro de suas limitações), sofrem muito.
O que difere na história destas pessoas, é que Luciana teve uma infância saudável, estudou, graduou-se e estava empregada em uma empresa transnacional, enquanto que meu amigo teve uma infância difícil, a muitas custas alfabetizou-se e sempre dependeu de seus familiares para atender suas necessidades básicas. O que os une, é que têm famílias dedicadas e que acreditam em suas potencialidades. São seres humanos como qualquer um, com sonhos, desejos, necessidade de afetos e de com quem compartilhar o mundo. Diz, melancolicamente, nosso conterrâneo: “... porque por mais que eu lute contra a minha deficiência física a vida está me tirando não só direito de ter a profissão na qual eu quero para mim, mas principalmente o direito de viver um amor, porque a falta de afetividade amorosa ocasiona solidão e um vazio muito grande em minha vida, sinto muita falta de ter uma companheira, para conversar, namorar, nos momentos em que a gente precisa de um braço para nos amparar, enfim alguém para dividir os momentos bons e ruins que a vida nos traz, mas que no meu caso é delicado e triste.”
Lamentavelmente suas condições de paralisia dos membros (total para um e parcial para outro) e a incompreensão da articulação de suas palavras por parte daqueles com os quais não convivem, os colocam em condições constrangedoras. Muitas pessoas sequer dirigem um “oi” quando os encontram, como se suas dificuldades de comunicação fossem uma via de mão dupla: “Não podendo falar não podem me entender”. Ora, meu amigo está no mundo: acessa a Internet, joga xadrez com amigos da Rede, conversa pelo MSN, lê, escreve, quer trabalhar, tem sentimentos e projeta um futuro. Luciana, sempre buscando superar obstáculos, mesmo sem poder falar e movendo (agora) com muita dificuldade uma das mãos, é autora de sua biografia e de outros livros. Como farmacêutica, mesmo em cadeira de rodas e contra todas as dificuldades, concluiu mestrado e doutorado na área da Cosmetologia pela USP, realiza pesquisas e é uma produtora de conhecimento muito importante nesta área. Não é possível que continuemos a ignorar a existência destas pessoas, e, muito menos, que os tratemos como incapazes, como “coitadinhos”.
Estas histórias de superações, inevitavelmente, fazem-me compará-los a tantas outras pessoas “pseudo-saudáveis”, as quais, quer por motivos racionais ou inconscientes, imobilizam-se dentro de seus corpos dando adeus à vida. Poderiam, com uma pequena ajuda, começar por mover um único dedo em busca de suas revitalizações.
César A R de Oliveira
Psicólogo

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