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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

É preciso falar sobre a morte

“... o ser humano evita ir em busca do seu próprio eu por medo de se deparar com sua finitude, o que lhe gera angústia pela limitação sentida diante da morte.” Adriana Bertoletti


Durante os momentos de sessões de autógrafos da última Jornada Nacional de Literatura, destaco o do livro “Educando para a vida e a morte” – trecho em epígrafe – de autoria da passofundense Adriana Bertoletti. Como profissional da enfermagem, relata uma experiência singular de 15 anos de trabalho em Centro de Terapia Intensiva (CTI) e de sua responsabilidade como mestra,  professora que atua na formação de novos cuidadores da saúde. Só quem tem este contato diário com o sofrimento das pessoas em tratamento nos CTIs  (incluam-se seus familiares e amigos angustiados em salas de espera e corredores) e com as limitações técnicas e humanas de  uma equipe de atendimento, pode relatar com precisão um tema que nos assusta só pelo nome.
Mas como está explícito no título da obra, é também através de uma educação para a vida que o sofrimento poderá ser minimizado. A primeira grande lição que poderíamos apreender com nossas reflexões consistiria em não aceitarmos a banalização da morte. Temos notícias da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (associada a Universidades e Unicef) sobre estimativas de que morrerão 33mil jovens por assassinatos no Brasil num período de apenas seis anos (de 2006 a 2012), ou seja, 13 jovens por dia. Na mesma linha, o estudo "Morte no Trânsito: Tragédia Rodoviária" realizado pelo SOS Estradas aponta para 42 mil mortes ao ano no Brasil, numa média de 35 por dia -uma a cada 40 minutos- sem falar naquelas que acontecem em hospitais, dias depois, como consequência destes acidentes de trânsito. Todos estes dados frios (e há muito mais) transformam-se quando um pai ou uma mãe aparece na clínica psicológica com um sofrimento intenso, deprimido, com sentimentos de culpa e de incapacidade para viver por que uma destas mortes prenunciadas em “estatísticas” tornara-se realidade: perdera o filho.  
A segunda grande lição na educação para a vida seria a da necessidade de uma mudança cultural, a de aceitar que nascemos para morrer. A biologia sabe disto: as unhas de nossas mãos não são as mesmas com as quais agarramos a vida um tempo atrás; nossos cabelos já foram tantas vezes cortados que não são os mesmos de um retrato antigo; nossa pele?  Já era! Literalmente trocamos nossa casca várias vezes durante a vida. Se estas perdas nos acompanham diariamente, aceitá-las não significa inércia ou passividade, pelo contrário, podem representar uma conscientização seguida de muita ação e de trabalho para modificar um quadro banalizado sobre mortes que fingimos não ver.  
Viver é isto, um ato de morrer constantemente. Ao lançarmos nosso olhar para esta filosofia de vida, quem sabe nos tornemos mais amorosos, menos irritáveis, mais compreensivos, menos consumistas. Afinal, o tempo também nos consome a cada instante, e ficar na ilusão de que isto não esteja acontecendo, somente aumentará o impacto quando nos depararmos com a realidade.      

  
 

César AR de Oliveira – psicólogo

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