“Deixei meu sapatinho, na janela do quintal,
Papai Noel me trouxe, um presente de Natal...”
Chegados a mais um final de ano, nos
deparamos com nossa exigência cultural de comprarmos presentes para trocá-los -
ou dá-los - na noite de Natal. Envolvidas em apelos midiáticos, muitas pessoas
fazem esforços incríveis para agradar aos seus, mesmo que isto implique em ficar
horas em filas e em lojas concorridas disputando mercadorias ou ainda a assumir
dívidas que adentrem ao ano novo.
Não diminuindo a importância da
humanização que os festejos natalinos propiciam a todos nós, (o que ocorre em
boa hora, pois, parece que os acontecimentos diários nos deixam um pouco
egoístas e menos sensíveis às dificuldades dos outros durante todo o ano) a
valorização que damos para a troca de presentes serve para nos alimentarmos de
momentos de prazer e de gratificação. Mais do que uma festa Cristã, a noite de
Natal, antecedente ao feriado proporcionado, acaba sendo um momento de
encontros e reencontros e é usufruída pela grande maioria das pessoas no mundo
todo, indistintamente de crença religiosa.
Mas, diferentemente do que o senso comum
possa pensar, o Natal não virou uma festa comercial onde o mais importante é a
troca de presentes. O ato de trocar presentes ocorre desde que o homem passou a
viver em comunidades nos mais variados momentos históricos e é objeto de
estudos da Antropologia há anos. Por trás deste gesto, estão implícitos
discursos de gratidão, de manifestações de carinho e de amor, de
reconhecimento, de desejo de paz, dentre outros.
Tribos e povos muito primitivos há
séculos já executavam tais trocas e o continuam fazendo até hoje, tal como
presidentes e primeiros ministros quando em suas visitas a outros líderes. O
importante antropólogo francês Marcel Mauss fez um interessante estudo no
início do século passado onde, resumidamente, concluiu que as trocas de
presentes implicavam em dar, receber e retribuir. Ou seja: dar um presente
significa deixar quem o receba na obrigação de retribuir, e isto pode ocorrer
com uma nova troca numa ocasião futura (iniciando um ciclo de reciprocidades
afetivas) ou nas retribuições de gentilezas daí por diante, pois não é
admissível sermos grosseiros com quem nos dá presentes.
E é sobre isto que fundamento a
importância das trocas de presentes de final de ano. Até mesmo o endividamento
por parte de quem dá é carregado de um significado de necessidade de agradar, (mesmo
que isto implique em obrigações financeiras por mais algum tempo) mas é um sacrifício
que o presenteador entende como válido. O que difere uma pessoa que pelo prazer
de dar algo afunda-se em dívidas, de
outra, que com parcimônia dá o pouco possível a cada um que lhe é afeto, tem a
ver com seus recursos psíquicos. Neste texto, voltado para a para a manutenção
da saúde psíquica, funciona a lógica de que é melhor só dar o que se tem ou que
esteja ao seu alcance.
Mesmo aos contrários às comercializações
de presentes nesta época cabe a lembrança de que muitas pessoas vão conquistar
seu primeiro emprego em decorrência disto, outras vão conseguir manter suas
famílias pelos mesmos motivos, e assim por diante. O ato de comercializar está
inserido em nossa cultura, e o que é mais importante neste momento, é estarmos
atentos ao quanto estamos investindo nestas trocas e o que isto tem de significado
para nós. Afinal, podemos nos dar durante todo o ano, não sendo necessário
esperarmos uma data e uma imposição cultural externa para que façamos algum
gesto que signifique que temos consideração por alguém.
Boas Festas!
César AR de Oliveira – psicólogo