“O pampa era a matriz da barbárie americana, nele só sobreviviam os que Walter Scott chamou de ‘cristãos selvagens’, os gaúchos...” (Domingo Sarmiento, 1845)
Há um consenso de que gaúcho é o habitante da Pampa, cuja vastidão compreende em sua maior parte a Argentina e depois o Uruguai e o sul do Brasil, mais precisamente no Rio Grande do Sul. E é na literatura argentina que vamos encontrar belíssimas obras gaúchas como Facundo, de Domingo Sarmiento, Martin Fierro, de José Hernandes e Don Segundo Sombra, de Ricardo Guirãldes, as quais retratam este tipo indomável e de vida rude. Sarmiento, que foi presidente argentino entre 1868/1874 tinha uma ousada plataforma eleitoral, talvez a considerada mais importante para a época: “Desarvorar a gauchada das províncias argentinas a tiro e a canhonaço, se for preciso...”. Daí que Hernandes cria o seu Martin Fierro como o mito gaúcho anti-herói que acaba sendo tomado por modelo pelo povo argentino e que serviu de inspiração para Che Guevara. Tal obra foi escrita durante seu exílio na fronteiriça e gaúcha Santana do Livramento, depois de liderar um levante frustrado contra aquele presidente.
Nosso olhar para o que representa o gaúcho de hoje tem muito deste mito de ideal libertário de Martin Fierro e de suas habilidades que o tornaram expressivo. Em qualquer parte do mundo, nas mais diferentes culturas, vamos encontrar invariavelmente um herói que parte em busca de algo e que, ao regressar, tendo sido bem sucedido, estará psicologicamente transformado: já não é o mesmo indivíduo que partiu, mas alguém que atingiu um grau superior de sabedoria e que conseguiu aprender com a experiência vivida.
Quantos de nós um dia saímos das casas de nossos pais cheios de sonhos e de projetos para a nossa saga? Quem em algum momento na infância não idealizou um herói? Precisamos ter conhecimento de que o êxito de nossas vidas está muito fundamentado naquilo que a psicologia chama de resiliência. Ou seja, um conjunto de processos sociais e intrapsíquicos que possibilitam o desenvolvimento saudável do indivíduo, mesmo este vivenciando experiências desfavoráveis. É nesta luta contra as adversidades que vamos encontrar alguns aspectos de características de personalidade que nos diferenciam, tais como a auto-estima, flexibilidade, e habilidade para a resolução de conflitos, coesão e bom relacionamento na família. Também é de muita importância sobre o quanto dispomos de suporte externo em nossos grupos de amigos, na escola e na comunidade, os quais encorajam e reforçam nossas estratégias. Desta saudável interação pode resultar nosso êxito.
Alguns autores vão ainda descrever o termo resiliência como forças psicológicas e biológicas exigidas para atravessar com sucesso as mudanças da vida. Assim, o indivíduo resiliente é aquele que tem habilidades para reconhecer a dor, perceber seu sentido e tolerá-la até resolver os conflitos de forma construtiva. É quando o indivíduo, exposto as adversidades, violências e catástrofes, consegue se recuperar psicologicamente. O desenvolvimento de capacidades de resiliência nos sujeitos pela sua capacidade de autoregulação e autoestima, ajuda as pessoas a descobrirem as suas capacidades, aceitá-las e confirmá-las positiva e incondicionalmente, bem como, de se tornarem mais confiantes para enfrentar a vida do dia-a-dia, por mais adversa e difícil que se apresente.
Tão importante para a história da psicologia quanto Freud, o psicólogo Carl G. Jung afirmou em algum momento que o homem é visto tanto à luz de sua problemática atual como à luz de sua história, como um ser dotado de potencialidades. Ora, explorar nossas capacidades e competências e adequá-las aos nossos objetivos nos tornarão mais fortes e motivados para nossos enfrentamentos, e, assim como o tema desta Semana Farroupilha (2010)- Os farroupilhas e suas façanhas - o mais importante mito gaúcho, Martin Fierro, também era conhecido como “O façanhudo”.
Portanto, sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra.
César AR de Oliveira – psicólogo
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