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domingo, 18 de setembro de 2011

INTUIÇÃO


“Após muitas horas de intensa concentração, durante as quais reviu sistematicamente todo o conhecimento que tinha acumulado, percebeu, num súbito lampejo de intuição os alicerces de uma ciência maravilhosa que prometia a unificação de todo o saber.” (Fritjof Capra) 

Em seu clássico O ponto de mutação (Cultrix 1982) Capra – em epígrafe – escreve referindo-se como algo intuitivo ao anúncio da grande descoberta de Descartes, “O Discurso do Método...” que viria a influenciar o mundo e que é a base do método científico até hoje. O próprio Descartes definia sua descoberta como uma “visão de inspiração divina” e que a tivera revelada em um sonho. Por relatos como este é que intuição pode ser definida como um termo que evoca uma associação ao que é místico, justifica o fato também de ser chamada de sexto sentido, muito atribuída ao feminino, ao divino ou ao religioso. Palavra oriunda do latim intueri, cujo significado pode ser o de “olhar para dentro”, tem sido destacada nos últimos tempos ganhando uma maior aceitação também na comunidade científica.
Sobre isto, a psicóloga americana Sharon Franquemont dá uma breve definição muito apropriada e diz: “A intuição é o conhecimento que surge sem o uso da lógica ou da razão”.  Ora, colocada no patamar de conhecimento, relega a um segundo plano quaisquer associações desta com adivinhações ou sorte. Na psicologia poderemos encontrar em Carl G. Jung (psicólogo que desenvolveu trabalhos com Sigmund Freud até que divergissem) algumas considerações sobre intuição. Segundo Jung, a intuição utiliza a psique para discernir sobre fatos e pessoas, uma vez que um ser intuitivo possui as seguintes características: observa holisticamente, confia nos pressentimentos, é consciente do futuro, é imaginativo e visionário. No ano passado esteve no Brasil o físico-quântico indiano Amit Goswani, o qual, da mesma forma que Jung, admite que além de sensação, pensamento e sentimento, a intuição é uma das quatro maneiras de o homem entender a realidade.
Atualmente a Psicologia Cognitiva apropriou-se de conhecimentos obtidos com as modernas tecnologias e deu ênfase na abordagem da intuição de forma científica, confirmando que há inúmeros processos mentais que ocorrem no nível inconsciente, à margem de nossa percepção. Desta forma, a Psicologia Cognitiva descreve a possibilidade da existência de dois caminhos para a elaboração do pensamento na mente humana: o primeiro intuitivo, que opera sem que nos demos conta, mas de forma rápida, automática, com alta carga emocional e sem exigir esforços do indivíduo, enquanto que o outro processo se dá em nível consciente, deliberado, racional e que requer esforço e atenção quando se quer utilizá-lo.
Todos nós passamos, em algum momento, por aquela sensação de que impulsivamente sabemos qual a decisão que devemos tomar, porém, racionalismos, medos e dúvidas nos conduzem para uma outra opção. Mais tarde, livres de pressão, alguns até arrependem-se de não ter “ouvido sua voz interior”.
De certa forma, uma reformulação de nossas condutas podem nos auxiliar no melhor aproveitamento de nossa intuição. Estar aberto a novas idéias nos recicla, nos oportuniza outros horizontes e isto pode ocorrer na medida em que nos presenteamos com tempos-livres propícios para novos conhecimentos. Introspecção e socialização são importantes. Cultivar o silêncio em alguns momentos nos permite refletir melhor e a dar ouvidos aos nossos pensamentos, por outro lado, termos objetivos claros e nos motivarmos a trabalhos em equipe também potencializam nossas capacidades.
Enfim, não é feio ter intuição e nem demérito considerá-la em algumas decisões de nossas vidas. É muito importante, porém, que tenhamos profundo conhecimento sobre nós mesmos, de forma que estejamos mais confiantes quando optarmos por dar atenção a ela.  

César A R de Oliveira – psicólogo

domingo, 4 de setembro de 2011

Os gaúchos e seus mitos


“O pampa era a matriz da barbárie americana, nele só sobreviviam os que Walter Scott chamou de ‘cristãos selvagens’, os gaúchos...” (Domingo Sarmiento, 1845)


Há um consenso de que gaúcho é o habitante da Pampa, cuja vastidão compreende em sua maior parte a Argentina e depois o Uruguai e o sul do Brasil, mais precisamente no Rio Grande do Sul. E é na literatura argentina que vamos encontrar belíssimas obras gaúchas como Facundo, de Domingo Sarmiento, Martin Fierro, de José Hernandes e Don Segundo Sombra, de Ricardo Guirãldes, as quais retratam este tipo indomável e de vida rude. Sarmiento, que foi presidente argentino entre 1868/1874 tinha uma ousada plataforma eleitoral, talvez a considerada mais importante para a época: “Desarvorar a gauchada das províncias argentinas a tiro e a canhonaço, se for preciso...”. Daí que Hernandes cria o seu Martin Fierro como o mito gaúcho anti-herói que acaba sendo tomado por modelo pelo povo argentino e que serviu de inspiração para Che Guevara. Tal obra foi escrita durante seu exílio na fronteiriça e gaúcha Santana do Livramento, depois de liderar um levante frustrado contra aquele presidente.
Nosso olhar para o que representa o gaúcho de hoje tem muito deste mito de ideal libertário de Martin Fierro e de suas habilidades que o tornaram expressivo. Em qualquer parte do mundo, nas mais diferentes culturas, vamos encontrar invariavelmente um herói que parte em busca de algo e que, ao regressar, tendo sido bem sucedido, estará psicologicamente transformado: já não é o mesmo indivíduo que partiu, mas alguém que atingiu um grau superior de sabedoria e que conseguiu aprender com a experiência vivida.
Quantos de nós um dia saímos das casas de nossos pais cheios de sonhos e de projetos para a nossa saga?  Quem em algum momento na infância não idealizou um herói? Precisamos ter conhecimento de que o êxito de nossas vidas está muito fundamentado naquilo que a psicologia chama de resiliência. Ou seja, um conjunto de processos sociais e intrapsíquicos que possibilitam o desenvolvimento saudável do indivíduo, mesmo este vivenciando experiências desfavoráveis. É nesta luta contra as adversidades que vamos encontrar alguns aspectos de características de personalidade que nos diferenciam, tais como a auto-estima, flexibilidade, e habilidade para a resolução de conflitos, coesão e bom relacionamento na família. Também é de muita importância sobre o quanto dispomos de suporte externo em nossos grupos de amigos, na escola e na comunidade, os quais encorajam e reforçam nossas estratégias. Desta saudável interação pode resultar nosso êxito.
Alguns autores vão ainda descrever o termo resiliência como forças psicológicas e biológicas exigidas para atravessar com sucesso as mudanças da vida. Assim, o indivíduo resiliente é aquele que tem habilidades para reconhecer a dor, perceber seu sentido e tolerá-la até resolver os conflitos de forma construtiva. É quando o indivíduo, exposto as adversidades, violências e catástrofes, consegue se recuperar psicologicamente. O desenvolvimento de capacidades de resiliência nos sujeitos pela sua capacidade de autoregulação e autoestima, ajuda as pessoas a descobrirem as suas capacidades, aceitá-las e confirmá-las positiva e incondicionalmente, bem como, de se tornarem mais confiantes para enfrentar a vida do dia-a-dia, por mais adversa e difícil que se apresente.
Tão importante para a história da psicologia quanto Freud, o psicólogo Carl G. Jung afirmou em algum momento que o homem é visto tanto à luz de sua problemática atual como à luz de sua história, como um ser dotado de potencialidades. Ora, explorar nossas capacidades e competências e adequá-las aos nossos objetivos nos tornarão mais fortes e motivados para nossos enfrentamentos, e, assim como o tema desta Semana Farroupilha (2010)- Os farroupilhas e suas façanhas -  o mais importante mito gaúcho, Martin Fierro, também era conhecido como “O façanhudo”.
Portanto, sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra.

César AR de Oliveira – psicólogo