“Minha alma, onde estás? Tu me escutas? Eu falo e clamo a ti – estás aqui? Eu voltei, estou novamente aqui – eu sacudi de meus pés o pó de todos os países e vim a ti, estou contigo; após muitos anos de longa peregrinação voltei novamente a ti.” Este diálogo que Carl Gustav Jung trava consigo e que está descrito em O Livro Vermelho nos leva a muitas reflexões, pois fora escrito por ele em outubro de 1913 numa época em que aos 40 anos de idade já havia alcançado fama, dinheiro, poder, saber e considerava-se muito feliz. Mesmo tendo presidido por um período a Sociedade Médica Internacional para Psicoterapia e sido um psiquiatra de renome, sempre lhe incomodaram questões da ordem do sagrado, do religioso, e, por incluí-las em sua psicologia, acabou rompendo suas relações com Sigmund Freud. Ainda hoje há, infelizmente, quem diga que religião e ciência não podem andar juntas.
Se fizermos uma leitura deste lindo texto entendendo por “alma” o Eu interior, teremos aí a formulação de uma grande busca à nossa consciência e o enriquecimento em autoconhecimento. Este novo encontro - depois de tirarmos o “pó” daqueles lugares por onde andamos e que nos impregnou - sugere que é preciso nos livrar das impurezas que agregamos por onde passamos, dos maus hábitos, das más ideias, maus pensamentos, de toda aquela carga inútil que nos dificulta na jornada. Quantas vezes nos afastamos de nossos desejos – de brincar com os filhos, de ficar com a pessoa amada, de descansarmos – em detrimento de exigências do trabalho e de compromissos os quais, no final, não nos levaram ao sucesso, ao dinheiro ou ao crescimento que almejávamos? Tempo perdido; é preciso que voltemos ao nosso Eu para um recomeço, e nunca é tarde. Segue Jung em seu diálogo interior: “... mas uma coisa precisas saber, uma coisa eu aprendi: que a gente deve viver esta vida. Esta vida é o caminho, o caminho de há muito procurado para o inconcebível, que nós chamamos divino. Não existe outro caminho. Todos os outros caminhos são trilhas enganosas. Eu encontrei o caminho certo, ele me conduziu à ti, à minha alma.” Há um conceito universal chamado “A Jornada do Herói”, o qual caracteriza-se por aquele que sai de suas origens (casa, vila, cidade) e após partir submete-se a uma iniciação e vive uma aventura para só depois retornar ao convívio com os seus. Grandes vultos da história, da mitologia e da literatura vivenciaram este reencontro proposto por Jung, e isto sugere um desafio muito interessante a nós mesmos, partirmos para nossa jornada com a finalidade de nos encontrarmos.
O mundo nos envolve com sua rotina, com os compromissos, com as contas a pagar, a eterna sensação de falta de tempo, e tudo isto nos afasta do sagrado que há em cada um de nós e que muitas vezes fica esquecido. E o que acontece? Na maioria das vezes só paramos e olhamos para nós quando estamos doentes, cansados, com uma vida sem graça. É preciso dar o mínimo de atenção a nós mesmos procurando encontrar o equilíbrio que nossa saúde merece para bem vivermos esta vida.
César A R de Oliveira
Psicólogo – saude_mental@outlook.com