“... a alegria genuína e ingênua, estampada no olhar daquela mulher que
um dia me acalentou e me protegeu, é a maior de todas as recompensas, é a
confirmação de que estou no caminho certo, como pai de minha própria mãe”. Rodrigo Freitas
O ser humano é uma daquelas espécies
que, se abandonado quando do nascimento, tem muito reduzida a possibilidade de
sobrevivência porque o ato de viver exige cuidados. É muito freqüente, e cada
vez mais devido ao aumento da longevidade, que filhos tenham que – numa
inversão de papéis – vir a ser cuidadores de seus pais, como é o caso de
Rodrigo (epígrafe) cuidador de sua mãe
de 72 anos e acometida de Alzheimer.
Quando na família alguém adoece e fica
na condição de necessitar de cuidados, é muito comum surgirem as primeiras
divergências, principalmente se a situação se prolonga por meses ou anos. Em
situações passageiras o que é visto como um problema pode ser tolerado na
medida em que se vislumbra logo adiante o seu término. Mas no caso de a situação
perdurar, quem será o responsável pela alimentação, higiene, controle sobre a
medicação e tudo o mais que seja decorrente deste trabalho? Às vezes, o cônjuge
está velho demais e sem forças para auxiliar, ou então, não existe. Entre os
familiares podem surgir algumas discussões onde cada um busca priorizar o seu
interesse: alguns estarão distantes morando em outras cidades, uns não podem
mesmo faltar ao trabalho, outros não conciliarão noites mal dormidas (ou em
claro) com os afazeres do dia seguinte, ou ainda, haverá aqueles que, mesmo com
boa vontade, não demonstram aptidão para tais cuidados. Neste momento é
freqüente a ocorrência de atritos e discussões que acabam por resultar em
divisões e brigas na família, e, não raramente, acabando por restarem poucos
para assumirem tais encargos.
Mas exercer na família o papel de
cuidador implica em assumir uma tarefa desgastante, que não se restringe a um
horário de “entrada e saída” e nem a plantões previamente agendados. O cuidador se sente envolvido afetivamente e
ligado ao outro, e sofre quando - ao invés de progressos na saúde - constata
que o quadro se agrava e a morte é iminente.
É comum
ouvirmos que para cuidar, antes de tudo é necessário se cuidar, pois o cuidador
é aquela pessoa que inspira confiança, acaba com o desespero, luta contra o
medo, inicia ações positivas e produtivas, e sendo assim, todos esses valores
teriam que fazer parte das práticas dessas pessoas. Quando se trata de um
profissional contratado para este zelo com o familiar, pressupõe-se de que o
mesmo esteja dando conta de sua saúde, mas é preciso estar atento a qualquer
manifestação de impaciência ou de intolerância para com o enfermo, pois, esta é
uma tarefa muito desgastante. Porém, quando incumbe a alguém da família o exercício
deste papel, ocorre um impacto incomensurável na sua qualidade de vida. A carga
emocional de se tomar conta de alguém enfermo é tão pesada que em um intervalo
de poucos meses os efeitos também na sua saúde são visíveis: esgotamento
físico, depressão, perda ou aumento de peso, gastrite, diminuição da libido,
insônia, debilidade do sistema imunológico e tantas outras decorrências
negativas ao organismo. Viver meses, anos a fio sob a tensão de cuidar sozinho
de alguém, acaba incorrendo no que é conhecido como Síndrome de Burnout,
uma exaustão e fadiga acentuada resultantes de um estresse prolongado e que
compromete seriamente a saúde do cuidador.
Existem algumas formas de se aliviar
esta sobrecarga, como, por exemplo, dividir a função de cuidador com outras
pessoas, praticar exercícios físicos, reservar tempo para si mesmo, viajar por
alguns dias, não se descuidar da sua alimentação, procurar dormir bem e
encontrar qualquer atividade que, por uns tempos, tire o seu foco da tarefa de
cuidar de uma pessoa. Isto não significa deixar de amar a pessoa que se cuida,
mas sim, compartilhar também consigo mesmo este amor.
Em muitas vezes, a orientação ao
cuidador por parte de um psicoterapeuta é capaz de fazer com que este perceba
uma outra dimensão para a situação que esteja enfrentando, de que há milhares
de pessoas vivenciando casos tão ou mais complicados do que o seu e que o
excesso da carga afetiva que coloca nos cuidados, por vezes, poderá acabar
fazendo falta para si. O cuidador precisa cuidar-se, do contrário, em algum momento,
fatalmente necessitará também de alguém que o cuide.
César A R de Oliveira – psicólogo